Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de junho de 2019

Pachamama (Netflix, 2018): uma história inca

Produção de parceria França-Luxemburgo-Canadá apresenta um visual apurado e conteúdo didático, embora ostente alguns diálogos infantis e personagens pouco desenvolvidos.

Em algum período da sua vida, na escola ou na faculdade, você ouviu falar do famoso Império Inca, um Estado resultado de uma sucessão de civilizações andinas e que se tornou o maior império da América. Esse povo, que habitou o atual Peru entre 1438 até 1533, viveu entre guerras locais que alternaram seus imperadores, enfraqueceram o império e possibilitaram a investida sangrenta do colonizador espanhol Francisco Pizarro, o ‘homem barbado’ que colocou fim ao império Inca. Enquanto a história trata de lembrar do confronto entre colonizadores e imperadores, a animação da Netflix “Pachamama” lança seu olhar sobre os pequenos povos cujo único intuito era manter sua cultura intacta. De linguagem fácil, doce e educativa, mesmo não tendo muito apelo devido a sua temática específica, tem potencial para fazer um afago nas crianças.

O conto nos apresenta a Tepulpai (voz de Andrea Santamaria), um menino que vive em um minúsculo povoado, cujo desejo é seguir os passos do Xamã da vila (indivíduo que manifesta supostas faculdades mágicas, curativas ou divinatórias) e tornar-se um dos Grandes entre os seus habitantes. O problema é que durante a cerimônia de oferenda a Pacha Mama (deusa máxima dos povos indígenas dos Andes centrais), o garoto prova ainda não estar preparado para assumir suas responsabilidades como tal, mas surge uma nova chance de mostrar-se merecedor quando a Huaca, um artefato sagrado, é tomada por um coletor de impostos. Tepulpai então parte em uma jornada para recuperá-la.

Por si só animações chamam a atenção. Seja provocando risadas, ampliando os horizontes da imaginação ou pela fofura de sua concepção. Esta obra no entanto não tem nada de memorável, o que não a torna menos importante. Deve passar despercebida em meio a tantas outras opções na Netflix, ainda assim é uma oportunidade de embarcar nessa leve aventura. Se não é inesquecível e pomposa como os filmes da Disney e Pixar, ao menos oferece ao público a chance de desfrutar de uma sessão agradável, com potencial para aquecer o coração com seu encanto, simplicidade e peculiaridade de sua temática, uma daquelas raras de se encontrar.

Consciente de que não se trata de um desenho com apelo hollywoodiano, a animação investe sua criatividade em aspectos que transformam sua narrativa em algo diferente. Introduz o espectador a uma história Inca simples com um design de arte colorido e tão rico em detalhes que chega a impressionar por sua variedade. Nas roupas, nas montanhas que contornam o povoado, nos animais que lá habitam, nas casas, no céu e também nas pessoas. Em todos esses elementos é possível enxergar as formas características dos povos andinos, com seu quadricular e suas cores estonteantes, revelando, além de uma escolha coerente e marcante, uma caprichada produção que faz jus ao contexto no qual a narrativa está inserida.

A balança que segura o argumento escrito por Juan Antin, Patricia Valeix, Nathalie Hertzberg e Olivier de Bannes pesa para o lado infantil. Essa questão compromete na hora de estabelecer laços com espectadores mais jovens, acostumados de anos para cá a receber das animações discussões mais profundas e humor expressivo. Nota-se isso nos diálogos rasos e nas motivações inocentes dos protagonistas. Mesmo as crianças devem estranhar.

A direção de Juan Antin mostra-se pontual ao longo da produção, ao passo que são poucas as sequências em que extrai emoção. No mais, se sobressai na condução da narrativa, impondo ritmo e um senso de aventura pueril muito amável. Os personagens principais Tepulpai e Naira (voz de India Coenen), as duas crianças da vila responsáveis pela jornada de provação, têm arcos dramáticos bem delineados e a interação entre eles surge como um dos pontos altos do filme. Figuras emblemáticas como o Xamã (voz de Saïd Amadis) e a anciã Walumama (voz de Marie-Christine Darah) são tratadas com respeito e sobriedade, conferindo força e relevância as crenças apresentadas. “Pachamama” insere a plateia infantil num universo lúdico no meio dos Andes sem muito esforço, com graciosidade e peripécias simpáticas. Um passatempo afável, comprometido em contar uma boa historinha.

Renato Caliman
@renato_caliman

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