Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de junho de 2019

Elisa y Marcela (Netflix, 2019): um conto de amor em meio ao caos

Baseado no livro “Elisa e Marcela – Além dos Homens” de Narciso de Gabriel, novo longa da Netflix é bonito, mas feito sob medida.

A Netflix não é a salvadora da pátria, mas ela compra brigas. Sem dúvida é o serviço de streaming que mais investe e arrisca na variedade de seu catálogo, se afastando cada vez mais do conservadorismo para trazer histórias envolventes e que quebram tabus. Aqui, ela nos traz um drama espanhol baseado em fatos para mostrar as dificuldades de Elisa Sánchez Loriga e Marcela Gracia Ibeas, duas jovens garotas apaixonadas que não podiam ficar juntas, pois nem a Igreja nem a sociedade aceitavam sua união. Tal rejeição faz com que Elisa assuma uma identidade masculina, conhecida como Mario Sánchez. “Elisa y Marcela” acreditavam que tal feito seria o fim dos seus problemas, mas na verdade era apenas o início de tantos outros.

Essa história absurda de amor encontra tons poéticos na direção de Isabel Coixet (“Minha Vida Sem Mim”). Contemplativa e cercada de longos planos abertos mesmo em ambientes fechados, a diretora transmite a sensação de desbravamento. Há um mundo a ser explorado por aquelas mulheres tão jovens e, infelizmente na maioria das vezes, elas conhecem o pior lado dele. A relação de carinho e cumplicidade entre ambas é construída desde a adolescência, apesar de diálogos com opiniões opostas. Elisa (Natalia de Molina, “Quién te cantará”) seria a razão e Marcela a emoção, mas as duas sempre acham um jeito de se encontrarem, por mais divergentes que sejam.

A cineasta tem o auxílio da diretora de fotografia Jennifer Cox (“El espíritu de la pintura”) para trazer a ambiguidade necessária na ambientação de quando Marcela se encontra no colégio católico ao lado de Elisa e de quando está em casa. A iluminação é belíssima quando elas estão juntas. Já em casa ao lado do pai abusivo, a vida de Marcela (Greta Fernández, “O Vazio do Domingo”) flerta com a escuridão, com a figura do patriarca evocando uma sombra que parece que vem de dentro. Toda em preto e branco, a produção muitas vezes sai do campo da realidade para não deixar a trama tão massante e cansativa, afinal, apesar de ser uma história difícil, o cinema e até novelas já a contaram inúmeras vezes, e aí está o grande problema. Identidade e ritmo parecem não caminhar juntos aqui, o que acaba deixando o filme muito lento, mesmo com cenas de sexo repletas de sensibilidade, olhares penetrantes e respirações ofegantes.

Os preconceituosos são tratados como os animais irracionais que são, perseguindo e esgotando a paz de um casal que só queria viver sua própria vida, sem se importar com a dos outros. As constantes mudanças questionam se viver isoladas da sociedade não seria a melhor forma de seguir em frente. A plenitude não existe, já que elas sempre abriram mão de uma coisa pela outra. É praticamente uma relação de prioridades forçadas pelos outros. A trilha sonora é teatral, e cada cena parece um ato perfeitamente orquestrado por personagens que parecem apenas rodear as duas desde o colégio, a casa, a igreja e a prisão.

“Elisa y Marcela” relata a primeira união homossexual da Espanha, país que só aprovaria o casamento homoafetivo em 2005. Nos créditos finais, as inúmeras fotos de casamentos LGBTs ao redor dos países em que ele é permitido denotam uma constante luta pela igualdade, que começou muito antes de 1901 e infelizmente parece perdurar até depois de 2019.

Tiago Soares
@rapadura

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