Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 12 de junho de 2019

Pyewacket – Entidade Maligna (2017): terror de sugestão

"Pyewacket - Entidade Maligna" pode ter algumas limitações na construção dramática de suas personagens, mas acerta em cheio na atmosfera de suspense crescente em torno delas.

A cada ano, os cinemas recebem grande quantidade de filmes de terror, alguns cercados por muita expectativa, outros padronizados em um estilo previsível e vazio, além de mais alguns surpreendentes e sem tanta notoriedade. “Pyewacket – Entidade Maligna” pode ser considerado uma boa surpresa do ano, graças à execução do diretor Adam McDonald (“Sobrevivente“). Não se trata de um trabalho perfeito, longe disso, mas oferece uma experiência instigante dentro do suspense e do terror psicológico.

Em seus breves noventa minutos, a produção atravessa camadas dramáticas relacionadas ao luto e às brigas familiares até chegar ao terror propriamente dito. O ponto de partida da história é a frustração e a tristeza sentidas por Leah (Nicole Muñoz, “Gregoire“) após a morte do pai. Esses sentimentos são intensificados por conta da difícil relação que tem com sua mãe Mrs. Reyes (Laurie Holden, da série “The Walking Dead“), que não aceita seus amigos nem seu novo estilo punk e interessado em elementos sobrenaturais. Quando se mudam de casa e as discussões continuem, Leah realiza um ritual para invocar uma bruxa que mate sua mãe sem compreender as dimensões do seu ato.

As limitações do filme aparecem no primeiro ato, segmento mal resolvido para desenvolver os dramas de mãe e filha e outros aspectos iniciais dessa relação. O roteiro falha na construção narrativa das duas personagens após a perda que tiveram e, por isso, tem dificuldades para convencer uma série de elementos dramáticos: como Leah se tornou o arquétipo da rebelde punk (esmalte preto, interesse por rock pesado e por livros ou objetos relacionados ao sobrenatural) para suportar a tragédia sofrida; como fez novos amigos também interessados por ocultismo e rituais místicos, já que é difícil comprar a amizade e até uma suposta atração sexual por um deles; e como a relação entre a protagonista e Mrs. Reyes se deteriorou após a morte na família. Para tentar compensar essas questões, são utilizados muitos diálogos expositivos, que explicam artificialmente os antecedentes da história, e uma câmera trêmula que indica um dinamismo incompatível com aqueles momentos dramáticos.

Após a mudança de residência, a narrativa se encontra como um suspense e consegue construir brigas convincentes entre mão e filha e reconciliações igualmente realistas – são situações comuns e naturais de duas pessoas de gerações diferentes que não se entendem, discordam dos rumos tomados por suas vidas e se chocam devido às suas personalidades. Quando o ritual ocorre, há um salto de qualidade ainda maior porque ao suspense anterior se acrescenta um terror psicológico de atmosfera bem sugestivo. McDonald dispensa os jump scares fáceis e cria um ambiente perturbador a partir das dúvidas quanto à realidade da figura invocada e de suas ações, ora indicando ser real, ora aparentando ser alucinações. A insinuação de que algo trágico pode acontecer a qualquer momento também é feita pela trilha sonora, composta por notas crescentemente incômodas e opressivas que começam suaves e evoluem até uma forte inquietação – uma estratégia recorrente ainda dentro da trilha sonora para aumentar a tensão é quebrar a expectativa quanto à aparição de algo assustador.

O cineasta também acerta em dirigir momentos tensos e ameaçadores sem depender da revelação precoce da criatura sobrenatural. A escolha se adequa ao tipo de terror que constrói, baseado na atmosfera estranha e na incerteza quanto ao que é real ou não, e se refere à ameaça através de recursos indiretos e apurados: sequências filmadas com câmeras subjetivas no ponto de vista de Pyewacket, planos que apenas sugerem a presença de uma sombra ou de um vulto indefinido ou apresentam as consequências de suas ações – mesmo quando esse ser é filmado com algum destaque, a câmera o enquadra à distância para não descrevê-lo excessivamente nem explicar com tantos detalhes a mitologia por trás dele. Algumas sequências são bons exemplos do trabalho de McDonald, como a ameaça sentida pela amiga de Leah, que o público apenas identifica pelas reações da personagem, e as idas à floresta de Leah sozinha ou acompanhada da amiga à noite filmadas em referência a “Bruxa de Blair“.

Mesmo com a evolução gradual da narrativa, há problemas dispersos pelo segundo e terceiro atos. Além da movimentação injustificada da câmera nos primeiros minutos (algo que se ajusta com o passar do tempo), há um slow motion desnecessário no clímax que soa piegas e nada compatível com estilo visual usado até então, uma explicação igualmente desnecessária feita por um escritor especializado no sobrenatural acerca dos perigos de Pyeawacket e a criação problemática dos amigos de Leah, personagens sem função narrativa. Apesar dessas deficiências, o terror se mantém intacto e muito eficiente.

Seria improvável que o diretor conseguisse criar seu universo de mistério e ameaça constante sem a boa dinâmica entre as atrizes principais. Nicole Munõz e Laurie Holden gradativamente vão se encontrando nas personagens, especialmente porque no primeiro ato o roteiro não as ajudava, até chegarem a uma boa sintonia dentro do que é mostrado nos conflitos entre mãe e filha. As duas alternam entre o destempero emocional e a recuperação do autocontrole, até o momento em que Leah avança em seu estado de degradação psicológica. A interação entre ambas é importante para ressaltar os acertos da ambientação do terror e os defeitos iniciais do drama que existe na história. Desse equilíbrio instável, resulta um filme bom que poderia ser ainda melhor do que é.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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