Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de junho de 2019

The Night Of (HBO, 1ª Temporada): culpado ou inocente? [SÉRIE]

Com a história de jovem estudante de origens paquistanesas acusado de um crime, minissérie da HBO investe em peculiar olhar sobre o sistema prisional americano.

Existem aos montes séries e filmes voltados para o mundo dos tribunais e da prisão. Várias produções focam suas lentes na história de exaustivos julgamentos na busca do consenso do júri, onde advogados e promotores lutam para conquistar a liberdade ou a condenação do acusado, respectivamente. Em “The Night Of” vemos algo parecido, porém, diversos elementos a transformam em uma minissérie acima da média nesse segmento. Primeiro motivo para isso decorre da produção da HBO, canal já consolidado com filmes e séries de extremo apuro técnico e de texto, investir em uma detalhista fotografia e na construção do seu roteiro, que peca na sua parte final, mas ainda deixa a narrativa interessante.

Com apenas oito episódios e contando uma história fechada, “The Night Of” mostra como a até então tranquila vida do estudante com origens paquistanesas Nasir Khan (Riz Ahmed, “Venon”) muda após o jovem pegar o táxi do seu pai para ir até uma festa no centro de Nova York, mas, sem saber operar o carro, não consegue recusar uma corrida para a passageira que adentra em seu veículo, a linda Andrea Cornish (Sofia Black-D’Elia, “Projeto Almanaque”), garota misteriosa e assolada por traumas familiares.

Interessado na jovem, com quem constrói uma rápida ligação, Naz vai até a casa de Andrea, onde após o consumo de drogas e bebidas alcoólicas vai para a cama com ela. Ao acordar na cozinha, Naz não lembra o que aconteceu. Ao ir ao quarto para se despedir da garota encontra uma cena sangrenta, com Andrea morta com diversas facadas. Apavorado e sabendo que provavelmente será o principal suspeito pelo crime, ele foge deixando vários rastros pelo caminho, levando inclusive uma faca usada com a garota durante sua bebedeira e, talvez, prova do crime. A maior ironia do destino acontece quando ele é parado algumas quadras depois pela polícia por não ter dado a seta ao entrar em uma rua. Conduzido por embriaguez, ele acaba indo para a delegacia, onde, prestes a ser liberado, em uma ótima (talvez a melhor) cena de tensão vista na minissérie, tem a provável arma do crime encontrada na sua jaqueta. Preso em flagrante, começa assim a trajetória de Naz no mundo burocrático da Justiça e do sistema penitenciário americano.

Ainda na delegacia, Naz conhece as duas das mais importantes figuras para a sua queda no mundo policial/criminal. O primeiro é o advogado de porta de cadeia John Stone (John Turturro, “Transformers: O Último Cavaleiro”), que sentindo o cheiro de um caso de ampla repercussão na mídia (sempre bom para os negócios) se oferece para defender o jovem. Com todas as provas e indícios levando para Naz, cabe a John a difícil missão de soltar seu cliente. Para ele o mais importante não é a verdade e sim convencer o júri da inocência do imigrante de paquistaneses. Já para o detetive Dennis Box (Bill Camp, “Vice”), prestes a se aposentar, o mais importante é esclarecer o crime. Com métodos questionáveis no começo, Box acaba sendo de extrema importância para o desfecho da história.

O mais interessante em “The Night Of” é mostrar a fundo um olhar quase sociológico sobre o complexo prisional americano e seus reflexos, de maneira geral, na forma de agir da sociedade estadunidense. O diretor de todos os episódios Steven Zaillian (ganhador de Oscar pelo roteiro de “A Lista de Schindler”) usa técnicas como closes demorados para mostrar uma perspectiva fria sobre esse sistema, onde presos são apenas números que devem ficar trancafiados, longe da sociedade. Detalhes como a porta da prisão se abrindo lentamente, o ônibus buscando os presos, fichas sendo preenchidas, telefones tocando e câmeras de seguranças gravando presos reforçam essa mensagem. Outro ponto interessante é o olhar sobre o imigrante após a acusação de um crime. Sofrendo forte preconceito, a família de Naz e toda a comunidade paquistanesa em Nova York passa a sofrer retaliações após o caso ganhar repercussão da grande mídia.

Outra característica marcante da minissérie é a ambiguidade, algo prejudicial para sua narrativa. Quando Nazir é conduzido para a cadeia na espera do seu julgamento, vemos a construção de um novo personagem, que precisa se adaptar dentro desse lugar para continuar vivo. Algo bem clichê. Se aliando a Freddy (Michael Kenneth Williams, da série “The Wire”), um dos presos mais poderosos do local, Naz se transforma em outra pessoa, mais fria, vingativa e calculista, aparentando não se importar muito com seu destino fora do cárcere. Essa nova versão de Naz traz dúvidas para o público: esse jovem tão inocente mostrado no começo da minissérie, e agora com suas tatuagens feitas no presídio e um novo jeito de andar e de se portar, é realmente inocente? Destaque para a atuação de Riz Ahmed, transmitindo bem a impressão de existir dois Naz, o de antes e o de depois da prisão.

Com um final agridoce, abrupto, conduzido de maneira a quebrar o clímax construído durante todos os seus oito episódios, o mais importante em “The Night Of” não é o fim, mas a trajetória responsável por levar um jovem com todos os seus potenciais para a cadeia. Alguém que não será mais o mesmo. Aqui não importa se Nazir é culpado ou inocente, e sim quem ele se tornou. Nada mais será como era antes.

Filipe Scotti
@filipescotti

Compartilhe