Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 12 de junho de 2019

X-Men 2 (2003): a hipocrisia do ódio [CLÁSSICO]

Sequência do longa de 2000 consegue fantástico êxito em balancear inúmeras camadas fornecidas pela trama e pelos personagens.

Em 2000, “X-Men” chegou aos cinemas trazendo novas esperanças de que adaptações de quadrinhos pudessem se tornar mais mainstream ao apresentar um filme empolgante e bem amarrado. Três anos mais tarde, “X-Men 2” chegava aos cinemas com maior orçamento e consegue um feito: ser ainda melhor que o primeiro.

Estes dois filmes acertaram em cheio não apenas em bom elenco, lutas legais ou efeitos impressionantes. O grande trunfo foi focar num tema que permeia a vida do supergrupo mutante desde sua criação: preconceito. Este longa se baseia numa das melhores histórias escritas nos quadrinhos dos X-Men, “Deus Ama, o Homem Mata”. Nessa HQ, o reverendo Stryker usa a religião para justificar seu ódio e manipular pessoas a acreditar que é desejo divino que mutantes valem menos que humanos “normais” e que eles devem ser eliminados. Em ambas as obras, o vilão se vale de tecnologia e de um sequestrado professor Xavier (Patrick Stewart, “O Menino que Queria Ser Rei”) para usar seus poderes para matar todos aqueles que nasceram com mutações. Para impedi-lo, os heróis precisam se unir a Magneto (Ian McKellen, “A Bela e a Fera”).

Apesar disso, a HQ serviu apenas de base para o filme, e foi muito bem adaptada. Mesmo com diferenças, a essência de ilustrar como é descabido o ódio por pessoas que não fazem mal a ninguém, mas mesmo assim são alvos de tanta raiva e desprezo apenas por serem diferentes é muito bem mantida. Méritos de um roteiro que também consegue balancear tempo de tela e relações interpessoais com bastante êxito.

Stryker (o excelente Brian Cox, “Churchill”, numa interpretação nefasta) é um coronel cujo passado com seu filho mutante o levou a caminhos extremistas. Ele esquematiza uma trama para manipular o presidente a autorizar ações um tanto quanto questionáveis. Stryker divide cenas importantes com Wolverine (Hugh Jackman, “O Rei do Show”), que continua sua busca por respostas quanto a seu passado. Jackman sempre fez um ótimo trabalho como Logan, mas este filme rende momentos especialmente memoráveis, como quando ele defende a mansão de uma invasão militar e entregou o que se podia esperar da fúria berserker do personagem na época. Essa cena só foi superada com “Logan” (2017), onde a alta classificação indicativa pôde ilustrar o que acontece de verdade nesse tipo de ataque.

O longa abre com uma cena incrível que apresenta Noturno (Alan Cumming, “Serei Amado Quando Morrer”) invadindo a Casa Branca numa sequência que explora com louvor seu poder de teleporte misturado a técnicas de luta. Cumming acaba tendo ótimas cenas com Tempestade (Halle Berry, “John Wick 3: Parabellum”), onde ambos discutem o poder da fé em diálogos que pareceriam bregas, não fosse a sinceridade dos atores.

O elenco, aliás, é outro ponto forte do filme. Dos jovens Homem de Gelo (Shawn Ashmore, “Atos de Violência”) e Vampira (Anna Paquin, “O Bom Dinossauro”) lidando com a puberdade e as dificuldades de não poderem se expressar fisicamente, passando por Pyro (Aaron Stanford, da série “Fear the Walking Dead”) se revoltando, e chegando a um Magneto cheio de fúria contida mas mesclada com seu genuíno carinho por Xavier, temos ótimos atores explorando diferentes facetas do que é ser vítima injustiçada de ódio gratuito, ilustrando que ele pode destruir laços de família e gerar ainda mais raiva. A cena em que o mutante gelado revela a verdade a seus pais é análoga a qualquer um que precise se expor e assumir sua homossexualidade perante familiares.

Há de se mencionar também como “X-Men 2” trouxe pequenos elementos para estabelecer o futuro de Jean Grey (Famke Janssen, “Agente Asher”, na sua melhor atuação como a mutante) e da Fênix para o próximo filme. Sem tirar tempo da trama principal, o roteiro põe diálogos bem certeiros e colocados, culminando uma cena final emocionante que deixou os fãs em polvorosa para o que viria a seguir. O longa ainda acerta em apresentar momentos rotineiros, que não só trazem um pouco de humor como acabam revelando pontos interessantes dos personagens envolvidos. Um bom exemplo é a cena com Wolverine e Homem de Gelo na cozinha, onde uma conversa sincera nascia até ser interrompida pela tal invasão mencionada anteriormente.

Claro que o filme não é perfeito, Ciclope (James Marsden, da série “Westworld”) é subaproveitado e está lá apenas para as cenas em que bate de frente com Logan e para mostrar seu infinito amor por Jean Grey (aliás, a tensão sexual entre esses dois últimos rende outro ótimo momento), mas não possui nada que remeta a um arco. Mística (Rebecca Romijn, “A Morte do Superman”) é apenas a lacaia de Magneto, mas pelo menos transborda confiança em si mesma. Porém, não são defeitos que cheguem a reduzir a experiência do longa.

Com uma direção firme e até lúdica em alguns momentos, e que soube investir em planos-detalhe para ajudar a narrar e dar tons a determinadas cenas, ótimo uso de efeitos sonoros e mixagem de som, atores inspirados e um roteiro incrivelmente bem amarrado, “X-Men 2” soube balancear uma grande quantidade de elementos vitais para a história e entregar um filme de um supergrupo de heróis de boa qualidade quase uma década antes de “Vingadores”, além de conseguir levantar importantes pontos sobre grande defeitos da humanidade.

Bruno Passos
@passosnerds

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