Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de junho de 2019

The Perfection (Netflix, 2018): nada é o que parece

Busca pela perfeição, empatia e muito girl power são os temas do mais novo thriller gore bizarro da Netflix.

O terror e o suspense não convencionais têm ganhado nossa atenção a cada dia, seja atraindo pelas bizarrices de seus personagens ou pela excentricidade de suas histórias. Alguns trabalham isso de forma sutil como “Corra!” e “The Invitation”, assim como “The Perfection”, uma produção da Netflix. Coincidentemente este suspense traz a mesma “vilã” do filme de Jordan Peele e, quando o primeiro trailer foi revelado, muito se discutiu sobre a proximidade nas narrativas e da personagem. O que podemos afirmar logo de cara é que apesar da qualidade desta produção ser bem inferior às duas citadas anteriormente, nada é o que parece aqui.

Charlotte (Allison Williams, da série “Girls”) é uma violoncelista fantástica e estuda numa das melhores e mais conceituadas escolas de música, mas tem o sonho interrompido quando sua mãe fica doente, fazendo com que ela retorne para casa.  Ao sair da escola, acaba tendo o posto de musicista prodígio tomado por Lizzie (Logan Browning, da série “Dear White People”), que possui um talento similar ao dela. Após a morte da mãe e a convite de seus antigos professores, Charlotte vai à Xangai acompanhar um recrutamento de possíveis candidatas, quando conhece Lizzie e acaba se envolvendo com ela. A química é latente, assim como a tensão sexual entre as duas, e a direção de Richard Shepard (“A Caçada”) cria um vínculo quase imediato, cercado de olhares expressivos.

À medida que o tempo passa, as motivações que antes eram confusas vão se tornando mais claras. As verdadeiras intenções de Charlotte para com Lizzie envolvem inveja, ciúmes e rejeição, algo que superficialmente funciona e deixa o primeiro ato com cara de um filme realmente assustador. A câmera em primeiro plano usada e alternada entre ambas é eficiente e conota uma sensação de insegurança, ao mesmo tempo que transmite observação. A divisão em capítulos deixa a obra mais dinâmica ao intercalar com flashbacks rápidos, mas bastante precisos.

O trabalho da dupla de atrizes é soberbo e esconde muito bem seus reais propósitos dentro da trama. É possível traçar um paralelo da situação de Lizzie em determinado momento com a mãe de Charlotte. Um sentimento de cuidado e culpa que vai deixando a situação cada vez mais desesperadora, ao mesmo tempo em que faz uma crítica a ricos excêntricos que descem de seus pedestais para ter uma experiência de autodescoberta. Pistas vão sendo deixadas e, apesar de o recurso visual utilizado para explicar tudo ser um pouco ultrapassado e até preguiçoso, isso funciona graças à tensão gerada.

Tamanha insanidade, unida à tão sonhada busca pela perfeição, revela uma relação abusiva e assediadora, repleta de uma disputa irracional de egos. Expectativas são subvertidas e, apesar de a parte final ser um tanto quanto previsível, sua bizarrice assusta até aqueles mais acostumados com o gênero. Trabalhando traumas do passado, “The Perfection” cativa pela curiosidade à medida que seus atos revelam os segredos mais obscuros, mostrando a obsessão presente no cenário musical. O espectador é tão inserido numa atmosfera fantasiosa e realista, que 90 minutos não parecem suficientes para tamanha loucura.

Tiago Soares
@rapadura

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