Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de maio de 2019

Aurora – O Resgate das Almas (Netflix, 2018): construção e quebra de expectativa

Com uma fotografia fria e precisa, o terror filipino constrói muito bem a atmosfera e se equivoca no final por não justificar a proposta e o subtítulo.

De longe, os filmes de horror psicológico são mais imersivos que os apoiados em jumpscares ou gore. Eles também são mais delicados em sua narrativa pela sensibilidade que o suspense tem que ser conduzido. Nesse aspecto, a produção NetflixAurora – O Resgate das Almasopta pelo caminho mais difícil, provando mais uma vez que o cinema de terror asiático tem muito a oferecer. E mesmo com efeitos especiais limitados e um clímax questionável, o longa cativa pela incerteza dos acontecimentos e atiça a curiosidade pelo real motivo dos fatos.

Já no início o conflito é apresentado. Aurora é o nome do navio naufragado e prestes a afundar em frente a uma pensão numa ilha remota. Os moradores locais que viviam da pesca e do turismo estão se mudando porque o acidente modificou a vida na ilha. Ninguém sabe os reais motivos do naufrágio e muitos corpos ainda estão desaparecidos. A pensão é gerida por Leana (Anne Curtis, “BuyBust”) e suas duas irmãs, mas a mais velha (Mercedes Cabral, “Sede de Sangue”) abandona o local por conta do acontecido. Toda a família carrega um semblante sofrido, pois elas já viviam com o peso do trágico acidente que levou os pais à morte.

O capitão da guarda costeira é pressionado pelos familiares das vítimas, isso o leva a oferecer para Leana uma recompensa para cada corpo que ela encontrar. E entre ter que abandonar a hospedagem ou encarar o serviço, ela decide procurar os corpos com a ajuda de um vizinho (Allan Paule, “Tandem”). É nesse ponto que a protagonista começa a vislumbrar vítimas moribundas vindo da praia e tentando entrar na pensão. O suspense é construído com base na dúvida, pois não sabemos se Leana realmente está vendo algo ou se não passam de alucinações.

O primeiro ato é bem construído e apresenta os personagens através da dúbia perspectiva da moça, o que leva a um segundo ato invertido pelo ponto de vista dos passageiros do navio. Até certo ponto perto do fim, nossa atenção é garantida pela curiosidade da resolução, pois cabe à narrativa entregar o tal “Resgate das Almas” do subtítulo. E não entrega! Além dessa questão das almas não ser abordada, o sobrenatural é tratado com os corpos vindo em direção à pensão. A sensação é de que fomos enganados pelo filme por não se concluir como um thriller nem como filme paranormal.

É um daqueles casos que a direção de fotografia te fisga antes da resolução e te faz acreditar no mistério como narrativa. E nesse quesito a produção se sobressai. Ela se arrisca em longos planos abertos para nos situar e ao mesmo tempo isolar os personagens de qualquer situação segura. O ambiente está sempre molhado e a visão turva. Contudo, a fotografia deve ser uma ferramenta para a história e não o oposto. Se o cinema é regido pelo áudio e o visual, “Aurora – O Resgate das Almas” se vale pela disposição da câmera em não se limitar ao roteiro desapontante.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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