Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 07 de maio de 2019

Virando a Mesa do Poder (Netflix, 2019): está nascendo um novo EUA?

Documentário engajado mostra as novas lideranças femininas do Partido Democrata que se opuseram aos velhos caciques de seus distritos e agora estão determinadas fazer mudanças na Casa Branca.

Distribuído pela Netflix depois de uma bem-sucedida estreia no Festival de Cinema de Sundance, o documentário “Virando a Mesa do Poder” acompanha quatro candidatas democratas em suas primeiras disputas às primárias nas eleições locais americanas. O projeto, concebido pela realizadora Rachel Lears no dia seguinte à eleição do conservador republicado Donald Trump à Presidência daquele país, segue quatro mulheres que despontaram de contextos improváveis, se opondo ao domínio territorial e falta de representatividade dos velhos caciques democratas de seus distritos. Uma delas é Alexandria Ocasio-Cortez, destaque na política americana, que deixou o trabalho de garçonete para disputar a nomeação democrata nos bairros periféricos do 14º distrito de Nova York. Seu oponente, Joe Crowley, uma espécie de Thanos da política local, estava assentado no cargo há anos, mesmo sem ao menos morar na região que representava, reduto de comunidades latinas e afrodescendentes na cidade.

A câmera de Rachel é como uma mosca perscrutadora que sempre encontra os melhores lugares de onde acompanhar suas personagens, nos apresentando sequências notáveis e certamente históricas, pois essas mulheres de luta estão apenas começando suas carreiras políticas. É apreciável a sensibilidade do olhar da direção a cada uma das quatro candidatas – além de Ocasio, Amy Villela disputava a candidatura em Nevada, Cori Bush em Missouri e Paula J. Swearengin na conservadora West Virgínia -, esmiuçando suas histórias pessoais e motivações para entrada na política, oferecendo um retrato empático de cada uma dessas mulheres.

Outro aspecto é a dinâmica da narrativa, hábil em construir uma fábula completa: é tão saboroso e imersivo acompanhar o combate dessas personagens, que se dispõem a bater de porta em porta de suas zonas eleitorais, afim de engajar mais eleitores, ou que se endividam para financiar a própria campanha, que no desfecho da trama (mais feliz para algumas do que para outras) estamos completamente afetados por suas jornadas.

“Virando a Mesa do Poder” nos apresenta a história daquelas que não cansaram de lutar, mesmo na adversidade política, ou em meio à apatia social. Em tempos onde homens truculentos disputam o destino dos povos na base do grito, a sensibilidade coletiva de mulheres como Alexandria, Amy, Cori e Paula, e artística e expressiva de uma realizadora como Rachael, mostram-nos o quão bem-vinda uma perspectiva feminina sobre as coisas pode ser.

Vinícius Volcof
@volcof

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