Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 16 de abril de 2019

Ultraman (Netflix, 1ª Temporada): o que faz um herói

Sequência dos tokusatsu dos anos 60, o anime acerta não só no clima nostálgico, como no amadurecimento deste universo ao trazer um texto mais encorpado e moderno.

Em novembro de 2011, iniciou-se a publicação de um mangá que deu continuidade à série de tokusatsuUltraman” da década de 1960. Com a proposta de trazer o herói para uma linguagem moderna que se adapte melhor às gerações do início do século XXI, a obra traz o filho do antigo protagonista descobrindo que herdou poderes do pai, passando então a combater alienígenas malignos. Em abril de 2019, a Netflix lança a primeira temporada do anime que adapta esta história em quadrinhos com o mesmo título, “Ultraman”.

Em 13 episódios de pouco mais de 20 minutos cada, acompanhamos Shinjiro Hayata (Ryohei Kimura), filho do herói original Shin Hayata (Hideyuki Tanaka, “Cavaleiros do Zodíaco – Alma de Ouro”), que acaba herdando habilidades sobre-humanas do pai. O alienígena Ultraman da série original deixou a Terra há anos após deixá-la a salvo, mas novas ameaças levam a Patrulha Científica a construir um traje de batalha baseado em tecnologia ultra. A la Homem de Ferro, o jovem passa a vestir a armadura para combater não só crimes cotidianos, mas também uma nova leva de extraterrestres de más intenções. Entretanto, ele rapidamente descobre que há muito mais envolvido do que apenas o uniforme para se tornar, de fato, um grande herói.

A série tem bastante êxito em trazer discussões mais maduras e com tons de cinza ao universo geralmente simples e preto e branco dos tokusatsu. Com alienígenas morando no Japão e até trabalhando em agências oficiais, não há mais o claro vilão com risadas malignas que declara aos quatro ventos suas intenções nefastas. Outro elemento que amadurece o universo é a hesitação do próprio protagonista em tirar vidas, mesmo que advindas de outros planetas. Ao ter que lidar com esses aspectos de seu novo papel, Shinjiro tem um ótimo diálogo com o pai sobre como ser o Ultraman não é apenas glória, mas também um fardo carregado de grandes dificuldades, responsabilidades e sacrifícios.

Aqui cabe uma crítica quanto às relações interpessoais de personagens chave, ilustrada na relação pai e filho. Ela poderia e deveria ter sido melhor desenvolvida e explorada. Se Shinjiro precisava treinar com alguém, é com quem já foi Ultraman antes. Ao invés disso, Shin é relegado a um personagem recorrente após o segundo episódio e sua falta não só é sentida como também não faz muito sentido.

A transformação completa de Shinjiro em herói não é instantânea. Não só ele precisa aprender a lidar com sua nova função como também precisa entender que as pessoas estão em constante perigo só por ele estar lutando. Ultraman e os vilões possuem superpoderes, e a destruição ao redor é inevitável. Com o uso da personagem Rena Sayama (Sumire Morohoshi, “O Rapaz e o Monstro“) atuando como fio condutor desta linha narrativa, Shinjiro aprende e evolui ao lidar com a jovem. Sayama facilmente poderia ter se tornado um elemento irritante da série, mas sua clara motivação aliada a um bom texto a torna um componente vital na jornada do herói.

Em relação à nostalgia, a série parece ser um prato cheio para os fãs de longa data. Com inúmeras referências à série clássica – algumas bem claras e outras apenas divertidos easter eggs – e a personagens queridos (ou que os admiradores amavam odiar). A animação traz os traços clássicos dos desenhos japoneses, mas recebe uma roupagem 3D que é muito bem-vinda. As fluídas movimentações não só encaixam com movimentos corriqueiros como rendem memoráveis cenas de luta. Os alienígenas têm variados designs que homenageiam os tokusatsu, e as armaduras ultrapassam o visual cool e brilham como os guerreiros da Valhalla de “Mad Max: Estrada da Fúria”. Pode-se argumentar que, em grandes sequências, os cenários são escondidos com fumaça ou ficam fora de foco no que parece uma tentativa de reduzir gastos, mas ver esse investimento ser direcionado aos personagens em cena compensa.

Ao longo da temporada, a conexão do espectador com Shinjiro aumenta conforme ele aprende sobre seu lugar no mundo e tudo o que isso envolve. Suas hesitações são compreensíveis sem serem desperdiçadas e seu aprendizado cativa. Um ótimo início para apresentar o lore deste universo com uma ótima técnica de animação e um protagonista bem trabalhado fazem de “Ultraman” uma boa pedida para fãs de anime e um excelente retorno ao mundo “ultra” para os fãs saudosos.

Bruno Passos
@passosnerds

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