Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Força de Grayskull – A História de He-Man e os Mestres do Universo (2017): a força infantil

Documentário abrange a longeva carreira da linha de brinquedos, animações e do longa do He-Man. Com entrevistados bem selecionados, ótima montagem e depoimentos sinceros, é prato cheio para qualquer fã saudoso.

Os diretores Randall Lobb e Robert McCallum são, obviamente, fãs dos anos 80. Tendo no currículo documentários com títulos como “Turtle Power: The Definitive History of the Teenage Mutant Ninja Turtles” e “Nintendo Quest”, nota-se a influência que a cultura pop da época teve sobre eles. Fãs do desenho “He-Man e os Defensores do Universo” que fez enorme sucesso nos EUA e aqui no Brasil, eles se voltaram à plataforma de crowdfunding Kickstarter para financiar seu projeto de explorar a história da criação deste desenho desde sua base: a linha de brinquedos que a originou. Com o êxito da campanha, foi lançado em agosto de 2017 este documentário chamado “A Força de Grayskull: A História de He-Man e os Mestres do Universo”.

Mais do que nostalgia, a obra ganha pelo ótimo equilíbrio entre informação visual e depoimentos dos entrevistados. Foram pessoas escolhidas a dedo e que tiveram papéis-chave na composição dos personagens. Muitos trabalhavam na Mattel (empresa que lançou a linha de bonecos) e em vários departamentos diferentes, e cada um traz a sua parte do trabalho de como as peças foram se encaixando para criar uma das linhas de brinquedos de maior sucesso da história. Méritos também da montagem que encaixa todas as declarações de maneira a construir uma linha do tempo clara e objetiva. Tudo intercalado com imagens de arquivos e esboços originais da produção.

A força motriz que levou à criação do bárbaro espacial foi o fato das companhias de brinquedos não serem donas de nenhuma propriedade intelectual, dependendo de outras fontes para receber a licença para produzir itens relacionados. O mundo vivia a explosão da linha Star Wars, de enorme sucesso até hoje, e a Mattel se via correndo atrás das concorrentes. Ao criar a nova linha e colocar o protagonista dizendo “eu tenho a força”, as crianças se sentiram imediatamente atraídas pelo poder que imaginariamente teriam em suas mãos.

Por meio de segmentos bem separados e construídos, o documentário não só é fácil de acompanhar, como permite que os fãs de longa data se deliciem ao ter tempo de notar o amor envolvido no projeto. Cada um dos entrevistados carrega imenso amor e orgulho pelas criações e suas contribuições. Mesmo tendo havido situações conflituosas, todos logo as deixam de lado para falar dos bons momentos durante aquele período. O carinho é palpável.

Mas o filme não se detém apenas na linha de brinquedos e procura explorar toda a carreira do personagem. Depois de trabalhar a criação dos bonequinhos (“action figures”) e do desenho animado, a obra conta sobre o longa-metragem de 1987, “Mestres do Universo”, as histórias em quadrinhos lançadas pela DC e as novas séries animadas lançadas no início do século XXI. O filme do He-Man pode não ter sido um sucesso, mas o documentário consegue trazer Dolph Lundgren (“Aquaman”) e Frank Langella (“Capitão Fantástico”) – respectivamente, o herói e seu arqui-inimigo Esqueleto – para dar depoimentos sobre a produção cinematográfica. A cada nova mídia abordada, pessoas relacionadas a tal aparecem para discorrer sobre a mesma, o que enriquece muito o material.

A partir deste ponto, o filme explora a decadência da popularidade do herói, com as novas abordagens midiáticas como tentativas de revitalizar a franquia. Os entrevistados não têm receio em dizer suas opiniões sobre o que poderia funcionar e o que parecia uma má ideia desde o começo. Eles chegam a ridicularizar decisões como a de apenas trocar a pintura de um personagem para lançá-lo como um totalmente novo.

Há, como esperado, um foco maior na produção dos brinquedos e da primeira série animada, com escritores e roteiristas dando depoimentos sobre todo o processo de criação da série e, posteriormente, do spin offShe-Ra: A Princesa do Poder”. Há discussões sobre pressões sofridas na produção para censurar o material, considerado violento demais por alguns, e até sobre machismo na empresa. A diretora da animação de “He-Man”, Gwen Wetzler, conta ter sofrido assédio e, com outras artistas, ouviram “o que uma mulher seria capaz de fazer ou não”. Acredite se quiser, houve discussões sobre She-Ra não poder usar uma espada porque é uma mulher.

De qualquer forma, fica nítido que os personagens nasceram de muita dedicação e carinho das pessoas envolvidas, ficando impossível nomear um único responsável pela linha. Abordando toda a carreira do defensor de Grayskull, a obra é acessível e fácil de acompanhar. Pode-se argumentar que o final é corrido ao falar das novas animações, mas encaixa bem com a proposta de explorar os sucessos mais a fundo e apenas discorrer rapidamente sobre os fracassos.

“A Força de Grayskull: A História de He-Man e os Mestres do Universo” se prova um rico material sobre uma linha de brinquedos que conquistou uma geração e que ainda habita no coração de muitos fãs saudosos. Há histórias deliciosas narradas pelos entrevistados e as curiosidades de produção são incrivelmente satisfatórias. Obra interessante para os que nunca ouviram falar em He-Man e cia, documentário obrigatório para os nostálgicos.

Bruno Passos
@passosnerds

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