Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 02 de abril de 2019

Love, Death & Robots (Netflix, 1ª Temporada): animação também é coisa de adulto [SÉRIE]

Com temáticas e estilos variados, a série antológica adulta da Netflix explora o rico potencial que o formato animado tem a oferecer.

Culturalmente, é comum associar os desenhos animados como um gênero audiovisual dedicado, quase que exclusivamente, às crianças. Seja com clássicas e novas animações em longa-metragem da Disney, ou os desenhos mais populares de canais como Cartoon Network, o público infanto-juvenil é tido como o prioritário no momento de produzir algo neste formato. Pensar em limitar esse tipo de produção para esse público, no entanto, não poderia ser um erro mais crasso dos produtores de conteúdo. As animações têm potencial para apresentar uma narrativa tão densa, complexa e adulta como diversos live-actions. A nova produção da Netflix, “Love, Death & Robots“, chega para provar isso de uma vez por todas.

Produzida pelos diretores Tim Miller (“Deadpool”) e David Fincher (da série “Mindhunter”), o seriado, com classificação indicativa para maiores de 18 anos, consiste em 18 curta-metragens, de caráter antológico e que exploram temas e estilos animados diversos. Do sci-fi à comédia, do ultra realista ao cartunesco e até a mistura de live-action com animação, “Love, Death & Robots” é certeira ao abordar uma rica variedade de temáticas. Com uma proposta ousada e pouco comum – de misturar curtas com antologia – ela trabalha gêneros diversos e enaltece uma ótima variabilidade de estilos.

O aspecto visual, portanto, é o primeiro ponto que chama a atenção da série. A qualidade gráfica das obras mais realistas, como “Beyond the Aquila Rift”, “Sonnie’s Edge” e “The Secret War”, é algo que se observa nos jogos de videogame mais modernos, mas com um quê a mais. Não há aquela sensação de que o telespectador esteja acompanhando uma grande cinematic dentro de um jogo, talvez pelo fato das obras optarem por uma linguagem mais cinematográfica. O cuidado na iluminação das cenas, no realce – ou não – de cores pela fotografia e da riqueza na textura das personagens e dos cenários são alguns dos fatores que colaboram para essa impressão. O resultado final desse esmero em criar uma animação tão realista e imersiva é gratificante, uma vez que é possível até traçar uma comparação ao CGI de grandes produções hollywoodianas. Assistir a “Helping Hand” é praticamente como assistir a “Gravidade”, em uma situação tão crítica quanto a enfrentada por Sandra Bullock.

À medida que outros estilos animados são trabalhados, fica mais claro como a escolha visual não é feita por acaso, mas em harmonia com a história que está sendo contada. Episódios mais cômicos como “When the Yogurt Took Over” e “Alternate Histories” são beneficiados pela escolha de traços mais cartunescos. O mundo de magia e steampunk de “Good Hunting” se aproveita da animação em 2D para fazer algo mais sofisticado, que consegue ser cruel e belo ao mesmo tempo. O visual que remete aos jogos da Telltale Games de “Fish Night” realça o lado místico da trama, enquanto os traços mais simples de “Zima Blue” só aumentam o impacto de uma das histórias mais reflexivas e bem feitas da coletânea.

Além da animação servir à história, dando a ela um molde adequado, o próprio roteiro dos curtas também merece elogios. Claro, por se tratar de uma série antológica, haverá episódios que o público irá gostar mais do que outros. Contudo, de uma maneira geral, a qualidade das histórias é boa e elas exploram bem o formato de curta-metragem – outra característica fundamental da produção. Assim como há uma variabilidade estética, também há de temas, todos bem trabalhados: comédias, dramas, ficção científica, fantasia. Com episódios que variam entre 7 e 18 minutos, os textos conseguem criar a ambientação adequada para cada um deles: as características de cada universo são claras e, na maioria dos casos, a criação de um elo entre o espectador e os protagonistas é feita com facilidade, mesmo com poucos minutos de tela.

Um aspecto que chama a atenção positivamente no roteiro como um todo é como o desenvolvimento das histórias é feito de uma maneira prazerosa, sem ter um ritmo afobado e com boas resoluções. O uso de plot twists chocantes foi uma estratégia recorrentemente utilizada, tornando ainda mais memoráveis episódios como “The Witness”. Se, em grande parte, a conclusão das histórias agrada, existe um mérito também nas tramas que dão um gostinho de “quero mais”, de que aquele episódio poderia ser um filme ou uma série completa – casos de “Blind Spot”, “The Secret War” e do divertido “Three Robots”.

Predominantemente, a linguagem adulta compõe o cerne dos episódios, seja pelas histórias ou pelo visual. A violência e o sexo explícito estão presentes na maioria dos curtas, e a produção não tem pudor em explorar estes aspectos, com cenas de gore, decapitação, braços partidos e mortes violentas. Isso gera uma noção de realismo e de um senso de gravidade maior, o que é bem-vindo, dando mais peso aos enredos. Todavia, também há a impressão que alguns desses momentos em nada acrescentam à narrativa, estando ali para chocar o espectador, mas que não desenvolvem a história. Um balanceamento que poderia ser melhor pensado no futuro.

Uma segunda temporada ainda não foi confirmada pela Netflix, mas seria ideal para a proposta, explorando ainda mais estilos (o stop motion fez falta nesta primeira temporada) e com ainda mais diversidade nos temas e gêneros. Para o espectador que não está acostumado a ver desenhos, “Love, Death & Robots” mostra que animação também é coisa que adultos possam desfrutar. Um mérito que a produção deve ter com orgulho.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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