Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de março de 2019

Happy Hour – Verdades e Consequências (2017): desejos e traições

Sem soar pedante, o filme consegue passear bem entre estilos, mas se perde nas escolhas narrativas.

A mistura entre humor e drama parece ser uma combinação interessante para um filme ora brasileiro, ora argentino. E Eduardo Albergaria (“Paysandú – 100 anos de Payxão”) aposta nesta fórmula para tentar extrair em “Happy Hour – Verdades e Consequências” o melhor do roteiro. Se por um lado a escolha funciona muito bem, não pesando demais nem na comédia nem nos conflitos internos, por outro acaba criando situações onde o diretor parece ter dificuldades em lidar.

A trama gira em torno de Horacio (Pablo Echarri, de “Muralla”) e Vera (Letícia Sabatella, de “O Colar de Coralina”). Ele é um professor universitário argentino, e ela é uma vereadora carioca, formam um casal que acredita ter um matrimônio feliz. Porém, após Horacio ser visto como herói do Rio de Janeiro por conseguir parar um criminoso excêntrico, ele começa a repensar alguns detalhes da sua vida, o que implica em convencer Vera a deixar que ele se relacione com outras mulheres.

O grande acerto de Albergaria é trabalhar, logo no começo, com um imaginário discretamente fantasioso. O criminoso tem uma construção exagerada e improvável, mas que serve para deixar bem claro ao público que o filme não tem tantos compromissos com a verdade. Isso, na prática, serve para que outros pequenos absurdos possam ser encarados com a mesma descrença da cena inicial, o que de fato ocorre em alguns casos. O problema está nas escolhas do diretor para o uso do exagero, transformando as cenas de Vera trabalhando como vereadora e toda a sua campanha à prefeitura soarem pouco críveis, além de não ajudar na construção da personagem nem no desenvolvimento da trama. O resultado é puramente forçado, embora não justificado.

Mas isso não faz de “Happy Hour” um filme ruim. Pelo contrário, estando de acordo com a premissa simples, há uma ótima variação entre o humor e o drama, que consegue prender o público durante a exibição. Há um inteligente uso da comédia para construir pequenas críticas sociais, seja na figura do machismo, da imprensa ou da moral e dos bons costumes. Enquanto isso, o drama surge para amenizar um pouco essa sensação de que está tudo indo bem. O conflito é criado principalmente pela tentativa de Horacio em construir um relacionamento aberto, o que afasta o casal. Na prática, o sentimento de desconforto é quebrado pela insistência em criar subtramas, algumas das quais são abandonadas pelo roteiro. Há ainda alguns furos que se mostram forçados demais, como a tentativa de fazer Vera usar óculos para algumas cenas de humor – uma incoerência interna, provavelmente por preguiça de roteiro ou erro na montagem.

Assim, a trama principal precisa batalhar para não ser esquecida durante a projeção. Há uma variação grande entre os bons e os maus momentos, e a direção perde o que há de melhor no filme: as ótimas atuações de Letícia Sabatella e Pablo Echarri. A dupla funciona muito bem, tanto como casal, quanto separados em seus contextos próprios. Algo lamentável, uma vez que o potencial a ser explorado aqui é riquíssimo.

Mesmo não se tratando de um filme espetacular, “Happy Hour – Verdades e Consequências” tem bons momentos e a história não é cansativa, com várias situações muito divertidas. A direção não é impecável, mas acerta no tom e entrega uma boa obra mediana. As escolhas de Albergaria podem não ter sido as mais acertadas, mas estão longe de tornar a obra ruim.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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