Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de março de 2019

Stranger Things (Netflix, 2ª Temporada): foco no que importa [SÉRIE]

A segunda temporada cria espaço para que seus personagens comecem a amadurecer e abre caminho para o incrível talento de Noah Schnapp.

Situada um ano após os eventos da primeira, a segunda temporada de “Stranger Things” mostra as consequências da conexão de Will Byers (o fantástico Noah Schnapp, de “Ponte de Espiões”) com o Mundo Invertido. A série continua com sua sensação nostálgica, bem estabelecida nos anos 80 enquanto explora os sentimentos dos protagonistas mirins ao encarar novidades, descobrindo o mundo, entrando na puberdade e lidando com o sobrenatural. A qualidade visual, que já era boa, melhorou bastante, principalmente nos efeitos visuais em CGI. Tudo é muito melhor resolvido aqui e o design da criatura principal é incrível.

Os protagonistas estão todos de volta e continuam muito bem. Winona Ryder (“O Experimento de Milgram”), que foi excelente como a mãe desesperada na primeira temporada, agora prossegue igual em seu constante estado de preocupação extrema. David Harbour (“Hellboy”) tem seu papel ainda mais desenvolvido aqui, com toques pessoais de seu passado refletindo no homem que é hoje. O trio de adolescentes vividos por adultos Nancy (Natalia Dyer, de “Velvet Buzzsaw”), Jonathan (Charlie Heaton, de “O Segredo de Marrowbone”) e Steve (Joe Keery, de “A Grande Jogada”) não deixam cair a peteca e mantêm o alto nível de atuação da série. Os personagens de Dyer e Heaton seguem um rumo previsível, mas o de Keery se torna uma figura cativante ao completar sua jornada de deixar de ser babaca e se tornar um cara decente.

As crianças se provam cada vez mais como bons atores transbordando carisma. A química entre eles continua fantástica e a série não caiu no lugar fácil de repetir a mesma interação da primeira temporada. Há mais conflitos – eles precisam lidar com o novo, com o início do amadurecimento. Alguns episódios trazem os personagens separados uns dos outros, não apelando para o que seria a receita já conhecida de estarem sempre juntos. Todos são adoráveis e muito talentosos. Millie Bobby Brown (“Godzilla II: Rei dos Monstros”) retorna com sua Eleven muito introspectiva, mas tateando o mundo ao redor e ótima como alguém que tem praticamente tudo como novo e que precisa aprender a se relacionar. Caleb McLaughlin (“High Flying Bird”) tem mais texto para trabalhar e, com Gaten Matarazzo, exploram desafios nascidos do desconhecido mundo da puberdade. Finn Wolfhard (“It: A Coisa”) tem menos destaque aqui, continua muito competente, mas o show é de Noah Schnapp, que pouco teve o que mostrar na temporada anterior. Aqui ele recebe mais material para explorar seu papel e é impressionante o quanto esse garoto é bom! Will passa por emoções extremas, mas muito reais e críveis. Quando ele chora ou começa a ter, digamos, um ataque de pânico, o desespero nos olhos do menino é notável e fica difícil não sentir pena dele. De longe, a melhor surpresa desta temporada.

O roteiro também traz novos personagens interessantes. Sadie Sink (“O Castelo de Vidro”) vem para ser o estopim dos conflitos entre os meninos e encaixou na química dos atores mirins. Dacre Montgomery (“Power Rangers”) faz um bad boy bully que parece um pouco estereotipado, mas o roteiro dá pinceladas de camadas ao papel que devem ser desenvolvidas em futuras temporadas. Sean Astin (“Gloria Bell”) faz o namorado da mãe de Will e é uma figura adorável, coisa que o ator faz muito bem e cativa desde o início. E Paul Reiser (“Meu Ex É um Espião”) cai perfeitamente no objetivo de trazer a sensação nostálgica da década de 80.

Os irmãos Duffer elaboraram um roteiro que toca bem a história, mas que ganha credibilidade ao retratar pré-adolescentes. Não só nas discussões, como na escolha de palavras. Quando não estão com adultos por perto, por exemplo, eles falam palavrões, e isso soa natural, como crianças crescendo e se aventurando em novo vocabulário. Essa atenção a pequenos detalhes rende ótimos diálogos e é aí que está o grande trunfo de “Stranger Things”: as interações entre os personagens. A temporada inteligentemente investe em momentos de convívio em situações rotineiras, que revelam muito sobre eles e ajudam o espectador a conhece-los melhor. Sim, há monstros, poderes sobrenaturais e nostalgia oitentista, mas nada disso faz a série ser excelente. O que conquista de verdade são as pessoas e como suas jornadas são bem desenvolvidas.

Diferentemente da primeira temporada, que possuía uma tensão presente quase o tempo todo, aqui cabe outro elogio de não cair na armadilha fácil de só repetir o que fez sucesso. A tensão começa mais branda e vai crescendo aos poucos. Entretanto, não se engane, se sentir tenso e agoniado é outro acerto da série.

Há uma polêmica sobre o sétimo episódio, que realmente parece à parte. A intenção dele é meio confusa. Era para apresentar uma nova personagem? Era só para a Eleven desenvolver seu arco? Narrativamente, ficou deslocado da temporada como um todo. É inegável sua importância para o arco da protagonista, mas concentrar tudo em apenas um episódio não foi das melhores decisões e teria sido melhor diluir alguns elementos ao longo dos episódios. Como está, ele parece uma interrupção brusca de um momento significativo e angustiante.

“Stranger Things” trouxe uma ótima segunda temporada, com os mesmos elementos da primeira e uma boa evolução de personagens. Tendo a nostalgia apenas como um bônus, a série continua surpreendendo com uma história cativante e tensa, um roteiro que presta atenção no que realmente interessa, papéis fascinantes e atores mirins absolutamente talentosos e adoráveis.

Bruno Passos
@passosnerds

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