Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 04 de abril de 2019

Um Funeral em Família (2019): as definições de vergonha alheia foram atualizadas

Nova comédia de Tyler Perry e a última como sua famosa personagem Madea, é arrastada e recheada de piadas sem a menor graça.

As comédias de Tyler Perry fazem bastante sucesso nos EUA. Seu estilo é muito parecido com aquele feito há alguns anos por Eddie Murphy com seus inúmeros personagens caricatos e exagerados. Surpreendentemente, as comédias de Perry não têm o mesmo êxito que as de Murphy (pelo menos por aqui), tanto que esta é a primeira comédia do ator, diretor, roteirista e produtor a estrear no Brasil. “Um Funeral em Família” traz sua famosa personagem, a vovó inconsequente Madea (uma mistura de “Vovózona” com “Minha Mãe é Uma Peça”) tendo a incumbência de preparar um funeral inesperado no meio de uma festa em família.

Toda a condução da narrativa é novelesca, desencadeando tramas absurdas e situações risíveis a cada minuto. Perry conduz sua história como alguém que não liga para a coesão dos fatos e traz um emaranhado jogo de mentiras, traições e bizarrices, todos protagonizados por um elenco predominantemente negro, já presente em suas produções. O diretor interpreta quatro personagens rasos e cercados de estereótipos, que vêm com um combo de piadas machistas, sexistas e de gosto questionável. Essa diferença de preferências entre o humor brasileiro e o estadunidense pode ser vista nos números absurdos de bilheteria que Perry consegue atingir nos EUA, mostrando que sua comédia não é vista como algo tosco para os americanos.

As atuações beiram o sofrível, com destaque apenas para Jen Harper (“Felicidade Por Um Fio”), que tenta tirar leite de pedra num roteiro cheio de equívocos. Nem o próprio Perry parece estar à vontade, já que é a décima primeira vez que interpreta Madea, chegando inclusive a afirmar que, após este filme, aposentará a personagem. O ator parece cansado e insatisfeito em certos momentos. Como diretor, Perry utiliza de planos longos que estendem a piada bem mais do que o necessário, deixando um claro espaço para a improvisação, que acaba gerando o efeito contrário, aumentando ainda mais a vergonha alheia. A cena do funeral, por exemplo, é um exercício de metalinguagem, já que os personagens não aguentam a longevidade da cerimônia, e nem o público aguenta a duração forçada da piada.

Aliás, o exagero faz parte de “Um Funeral em Família”, algo sintetizado nos personagens que estão sempre gritando e repetindo um texto pobre. Entre piadas sem graça e falta de agilidade, o filme encontra espaço para uma crítica social, que poderia explorar o abuso policial sofrido pela comunidade negra americana, mas prefere ir pelo caminho mais fácil e sem noção. A identificação pode acontecer já que o nosso humor também é repleto de personagens exagerados e caricaturais, mas na maioria das vezes a linha tênue entre a graça e a ofensa é ultrapassada, sendo a segunda opção a mais utilizada. Encontrar sentido em uma comédia pastelão não é o foco aqui, mas espera-se o mínimo de qualidade e apuro técnico em algo que parece ter sido feito às pressas, mas que aparenta durar uma eternidade.

Tiago Soares
@rapadura

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