Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 08 de março de 2019

Sai de Baixo – O Filme (2019): uma grande bagunça

Os amados personagens da extinta sitcom brasileira finalmente chegam às telonas, mas com uma obra que não faz jus ao antigo sucesso do programa, para a tristeza dos fãs.

Sai de Baixo – O Filme” é a tentativa de adaptação aos cinemas do popular programa de televisão de mesmo nome que fazia sucesso nas noites de domingo na Rede Globo. O formato da sitcom chamava atenção pela improvisação do elenco sobre um palco de teatro, onde se permitiam fugir do texto e chegavam inclusive a interagir com a plateia. Até mesmo os erros iam ao ar pelo potencial cômico – era hilário ver os atores saindo de seus personagens e rindo das próprias cenas. Tal sentimento de espontaneidade, por incrível que pareça, atravessa para a versão da tela grande, mas aqui isso não é necessariamente uma coisa boa.

A trama leva em consideração o tempo passado entre os últimos episódios do programa e a atualidade. Caco Antibes (Miguel Falabella, “Redentor”) mal retorna da prisão onde esteve estes anos todos para meter a família em mais uma pilantragem. Com a ajuda da esposa Magda (Marisa Orth, “É Proibido Fumar”), do filho Caquinho (Rafael Canedo, “#garotas: O Filme”) e do porteiro Ribamar (Tom Cavalcante, “Os Parças”), ele ressuscita a agência de viagens Vavatur do tio Vavá (Luis Gustavo, “Os Penetras”) para sair do país com milhões de dólares em pedras preciosas. Claro que a mala com as jóias é só um pretexto, ou um MacGuffin, para colocar os ambiciosos personagens numa atrapalhada viagem de ônibus. Do elenco original, o filme ainda traz Aracy Balabanian (“Policarpo Quaresma, Herói do Brasil”) como Cassandra, a mãe de Magda, mas com curta participação da atriz por questões de agenda. Por motivos de saúde, quem também quase ficou de fora foi Luis Gustavo, criador de “Sai de Baixo” em parceria com Daniel Filho.

Partindo do carisma do elenco (e relevando a baixa energia das cenas com Aracy e os tons acima que Tom Cavalcante dá a Ribamar), não seria impossível uma divertida adaptação que soubesse usar o melhor da linguagem do cinema. Mas a produção é uma zorra no sentido ruim da palavra. Para começar, a sensação é de que os atores gritam em tela como se ainda estivessem no teatro, ignorando que agora a câmera está bem próximo deles. Se a ideia era criar um clima de caos proposital, não funciona bem porque as cenas não respiram e não fluem, sem início, meio e fim. São dispostas como guerras de falas entre personagens que quase não contracenam de verdade, já que se submetem aos cortes frenéticos da montagem tentando enfileirar cada tentativa individual de piada e resolver o problema de ter atores interpretando mais de um papel numa mesma cena. Até o texto de Falabella é consciente do que ele chama de “realismo selvagem” contra o “naturalismo cinematográfico”, e adianta as críticas ruins representadas por um “bonequinho” “seco e desmaiado”. É sabido que não foi fácil tirar esse projeto do papel, mas as “condições precárias do cinema nacional” não justificam um resultado ruim.

“Sai de Baixo – O Filme” tem alguns breves respiros, como na cena em que Caco conhece Sunday (Katiuscia Canoro, “Tô Ryca!”) e quando Lúcio Mauro Filho (“Chocante”) interpreta Angelita, a única sem exagero teatral apesar da caracterização feminina. São pausas que um longa necessita já que não pode contar com as típicas interrupções por comerciais de TV. Falando em caracterização, as cores predominantemente lisas dadas a cada personagem simplificam a proposta visual, mas empobrecem a arte ao lado do baixo valor de produção agregado às pobres locações externas. São escolhas que poderiam até destacar o jogo de cena… se esse existisse. Ao preferir o pingue-pongue agitado de uma trama cuja complexidade também não ajuda o filme, perde-se oportunidades para observar a pura contracena dos atores como se via no programa de televisão.

Há pelo menos um aspecto positivo transposto de maneira interessante entre os formatos. Da mesma forma que “Sai de Baixo” quebrava a quarta parede do teatro, “Sai de Baixo – O Filme” é consciente de que se trata de uma produção cinematográfica, e Miguel Falabella guarda as piadas mais inteligentes para brincar com isso. Os novos personagens, incluindo uma versão para a empregada Edileuza de Claudia Jimenez, chamada no filme de Cibalena (Cacau Protásio, “Os Farofeiros”), também são exagerados, porém não destoam do clima estabelecido e parecem uma extensão condizente com o elenco original. Para os fãs dispostos a relevar todos os problemas, a obra está repleta de brincadeiras e referências, das participações especiais do músico Caçulinha e da filha de Tom Cavalcante aos clássicos bordões e piadas que só fazem sentido para quem conhece o programa. Caótica, confusa e desordenada, a adaptação aos cinemas ironicamente carrega o espírito de improviso da sitcom.

William Sousa
@williamsousa

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