Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de março de 2019

Sociedade dos Poetas Mortos (1989): sugando o tutano da vida [CLÁSSICO]

Num de seus primeiros papéis dramáticos, Robin Williams entrega um personagem absolutamente cativante num filme inspirador.

Sociedade dos Poetas Mortos” é aquele tipo de filme com um papel perfeito para o Robin Williams, onde ele faz o que sempre fez bem: instila vida. É basicamente isso que o personagem dele, o professor Keating, tenta fazer com seus alunos e, consequentemente, com a plateia.

O filme se passa num internato para garotos adolescentes em 1959, nos EUA. A escola tem grande prestígio e é famosa por sua dificuldade e rigidez. O ambiente é totalmente voltado ao estudo, os alunos não podem nem mesmo ter um rádio; eles socializam fazendo grupos de estudo. Veja bem: adolescentes socializam fazendo grupos de estudo.

Somos apresentados a um grupo específico de amigos, que são alunos dedicados e que, como adolescentes, estão se descobrindo e tentando achar que rumo querem tomar no mundo. Um aluno novo, Todd (Ethan Hawke, “Juliet, Nua e Crua”), vai aos poucos conhecendo e criando amizades com os membros desse bando. Entretanto, tentar se descobrir como pessoa e constatar quais são seus desejos são coisas esmagadas por todo o ambiente onde os alunos se encontram. Essa opressão não vem só da escola, mas também dos pais dos meninos e das expectativas que despejam em cima dos filhos.

A história se concentra em Todd, filho de pais distantes e procurando viver de maneira reclusa e tímida; e Neil (Robert Sean Leonard, o doutor Wilson de “House”), filho de um pai extremamente controlador (Kurtwood Smith, de “Amityville: O Despertar”) que decide tudo por ele. Infelizes, mas resignados, suas vidas precisavam de um impulso, que vem com a chegada do professor Keating. O catedrático, desde a primeira aula, procura ensinar a seus alunos que não se conformem, que busquem entender seus desejos e persegui-los. Por meio da poesia, os meninos são incentivados a se analisarem e se entenderem como indivíduos. Claro que isso entra em rota de colisão com a direção da escola e com os pais.

É aí que o filme é especialmente brilhante. Acompanhamos as jornadas dos meninos enquanto procuram se libertar das amarras que foram impostas a eles e como cada um deles lida com isso. O roteiro de Tom Schulman (“Uma Eleição Muito Atrapalhada”) discorre sobre os perigos da repressão parental extrema e da falta de empatia com pessoas amadas, se valendo de uma inteligente metáfora ao abordar os perigos da conformidade para ilustrar como censurar a arte é censurar o indivíduo. Isso acaba produzindo cidadãos descontentes e estressados com a vida, se resignando aos papéis de zumbis que apenas repetem o que é dito para eles, travando a sociedade numa mesmice que impede o progresso. O texto pode pender para um lado um pouco melodramático demais em alguns momentos, mas nada que realmente atrapalhe o andamento da narrativa.

O título pode afastar alguns espectadores avessos a poesia, pois ela tem a injusta fama de ser difícil e enfadonha. Entretanto, “Sociedade dos Poetas Mortos” não defende a poesia em si, mas a arte em qualquer forma, e como ela pode atingir qualquer pessoa de maneira pessoal e profunda, como ela pode instigar e mudar uma pessoa, como uma pessoa pode encontrar conforto, amor, paixão… enfim, sentimentos. O filme é uma ótima representação de que a arte, mesmo a arte pop dos blockbusters, pode ajudar aqueles que a consumem a se entenderem como humanos.

O diretor Peter Weir soube arrancar ótimas interpretações dos atores, principalmente de garotos que estavam apenas começando suas carreiras. Ele organizou para que os meninos ficassem hospedados juntos durante as filmagens para gerar mais camaradagem e amizade, o que deu muito certo e transparece na tela. A relação dos garotos em cena é genuína, e as amizades, tocantes. Weir também forneceu rico material para que os jovens entendessem o que adolescentes dos anos 50 procuravam ouvir e assistir para se divertirem. O diretor soube fazer a escalação certa ao trazer Robin Williams para o papel, que não permitia seus exageros cômicos, mas pedia sua energia contagiante. Williams acabou caindo como uma luva no papel de Keating, num filme que foi marcante em sua carreira. Interessante notar que, anos mais tarde, em 1998, Weir faria uma escolha similar de trazer um comediante para um papel dramático que se mostrou valioso para sua carreira ao contratar Jim Carrey para ser o protagonista em “O Show de Truman – O Show da Vida“.

Como capitão das câmeras, Weir também não decepciona. Com certeiro posicionamento das lentes, o diretor pavimenta a narrativa do roteiro com maestria. A cena em que o tímido Todd precisa recitar uma poesia na frente da sala é um primor. Com Keating o ajudando a superar seus medos, a câmera gira constantemente ao redor da dupla, ao mesmo tempo isolando os dois do resto da turma (já que o momento era entre eles), e também ilustrando o turbilhão de emoções dentro do garoto. No ápice do momento, a câmera para e se afasta, permitindo que tanto os personagens quanto o espectador possam admirar a vitória e a conquista de Todd. Emocionante!

Um bom filme que ilustra não só o que Robin Williams trazia de bom para o cinema, mas também para a vida de seus fãs, “Sociedade dos Poetas Mortos” aborda um tema que pode até ter sido representado inúmeras vezes nas telas, mas poucas vezes com tanta qualidade.

Bruno Passos
@passosnerds

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