Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de março de 2019

The Marvelous Mrs. Maisel (Prime Video, 2ª Temporada): mulheres maravilhosas

Segunda temporada continua a jornada de Midge, que se vê dividida entre a vida que levava e a que tenta levar. Com ótimos diálogos, elenco inspiradíssimo e uma protagonista fantástica, é uma das melhores séries do momento.

Depois de revisitar sua criação mais famosa até então em “Gilmore Girls: Um Ano para Recordar”, que dividiu opiniões entre os mais calorosos fãs, Amy Sherman-Palladino embarcou na sua nova empreitada onde queria, nas suas próprias palavras “fazer uma história sobre uma mulher que achava que tinha atingido a felicidade plena, mas vê tudo desmoronar a seu redor. E ao desmoronar, ela descobre uma ambição e uma necessidade de falar, e uma voz que ela francamente não sabia que tinha”. Nasce, então, sua nova obra que vem arrematando diversos prêmios e conquistando muitos espectadores, sobre uma dona de casa moradora de um bairro rico de Nova York no final da década de 1950 que tenta se lançar numa carreira como comediante de stand-up após o fim de seu casamento. Senhoras e senhores, com vocês, “The Marvelous Mrs. Maisel”.

Na primeira temporada, acompanhamos a protagonista Midge (Rachel Brosnahan, da série “House of Cards”) tendo que lidar com a separação enquanto busca um novo rumo para sua vida. Num momento de desabafo, ela sobe no palco do bar onde o marido se apresentava e improvisa piadas ao mesmo tempo que despeja sua indignação com a situação. Tendo seu talento reconhecido por Susie (Alex Borstein, de “Angry Birds – O Filme”), gerente do lugar, as duas embarcam numa jornada de renovação: Midge como comediante e Susie como agente, ambas esperançosas de que seus talentos e vontade as levem a melhorar de vida, seja financeira ou emocionalmente.

Entretanto, se no final da primeira temporada temos Midge fazendo uma apresentação memorável que poderia alavancar sua carreira, a segunda não continua como o esperado, o que não é ruim. Midge precisa ir para Paris com o pai Abe (Tony Shalhoub, de “Carros 3”) para ajudá-lo a reconquistar a mãe da protagonista, Rose (Marin Hinkle, de “Jumanji: Bem-Vindo à Selva”). A pausa forçada no avanço de sua carreira logo no início já ilustra o principal conflito da temporada. Midge tem a ilusão que pode viver plenamente a vida de comediante e a de símbolo de seu tempo: a mulher que se resigna ao papel dado a ela de filha e esposa enquanto tem um visual elegante, mas não ousado. Conforme a trama se desenrola, a protagonista vai percebendo que não tem como se dedicar a essas duas vidas, e fica bem claro ao final qual delas ela escolhe, mesmo que ainda sofra com isso.

Esse conflito principal vai sendo pintado com vários elementos, como Midge por vezes parecer mais interessada em voltar a trabalhar no balcão de maquiagem da B. Altman do que em perseguir sua carreira de comediante ativamente. Há também a necessidade de que ela deixe seu casamento para trás de vez e o receio de que seus pais descubram seu novo, até então, hobby, e Palladino conduz a trama com maestria, nunca forçando situações e se valendo da máxima “mostre, não conte”. A hesitação de Midge não é clara nem para a própria, que se vê perdida e confusa em alguns momentos; e é notável como a série consegue desenvolver ramos a partir desse conflito principal e manter a qualidade. A incerteza da protagonista entristece Susie, que precisa do foco da amiga para que sua profissão como agente avance e ela consiga dinheiro para ter uma vida digna. Méritos de Palladino e seu time de escritores, que entregam seus famosos diálogos rápidos e longos sem que sejam inúteis, confusos ou enfadonhos, mas sim cheio de camadas sobre os sentimentos dos envolvidos. É um texto rico, que vai muito além da comédia.

Assim, Palladino constrói personagens que sim, podem ser excêntricos, mas não são nada maniqueístas. São indivíduos distintos, com emoções, desejos e sentimentos mal resolvidos. Essa gama de elementos confere a eles várias camadas, que aos poucos vão sendo exploradas e os personagens vão, veja só, vivendo. Há evolução, há crescimento, há falhas e, com tudo isso, é impossível não se conectar a todos eles em um nível ou outro. Junte a tudo isso o fantástico elenco da série e realmente não dá para não concordar com os inúmeros prêmios e indicações que vem recebendo. Shalhoub e Hinkle são incríveis como os pais de Midge, sabendo andar perfeitamente na linha entre o caricato e o real. Michael Zegen (“Brooklin”) transforma o marido irritante da primeira temporada em alguém que reconhece seus erros que está tentando melhorar; Zachary Levi (“Shazam!”) se mostrou uma ótima adição ao elenco, abraçando a metralhadora de falas de Palladino sem medo, e Borstein continua brilhante como Susie, agente que tem muito mais dentro de si do que a superfície dura que precisa usar para lidar com o mundo.

Mas não se enganem, quem absolutamente brilha em todas as cenas é Rachel Brosnahan, um poço de energia aparentemente sem fim. Além de ótima nas cenas de stand-up, ela caminha por tantas camadas em uma personagem só que fica difícil não se surpreender. Da filha que sabe que vai ter a reprovação injusta dos pais à comediante que, mesmo hesitante, é radiante nos palcos, a atriz faz um trabalho incrível ao ir mostrando uma mulher que vai descobrindo uma nova forma de se enxergar. A série também ilustra como sua nova profissão afeta sua vida pessoal em momentos quando ela acaba soltando mais palavrões sem perceber, ou contando piadas inadequadas em situações sociais onde não é apropriado, e o jeito como ela se martiriza por isso espelha a confusão da personagem, que é o cerne dessa temporada. Numa obra que tem um ritmo acelerado, Brosnahan é audaz, confiante e pisa no pedal sem um pingo de oscilação.

Palladino (e seu time de diretores) tocam os longos diálogos com tomadas fluídas, que acompanham os personagens em várias cenas sem cortes. É admirável imaginar a quantidade de ensaios para que tudo corra bem. Há alguns momentos em que a direção realmente se destaca como o mundo se dobrando para fazer uma ponte entre Nova York e Paris, a tomada afastada quando o pai de Midge está sentado na ponta de um píer e a câmera aérea sobre várias garotas brincando com bambolês. Todas criam cenas não só plasticamente bonitas, mas que também são boas ilustrações dos momentos emocionais dos personagens.

No meio do grande número de séries que existem, poucas se destacam, e “The Marvelous Mrs. Maisel” brilha como uma joia polida e radiante em uma pilha de cascalhos. Os diálogos rápidos e sagazes nas mãos de atores inspirados entregam momentos engraçados e carinhosos em histórias cativantes e relevantes.

Bruno Passos
@passosnerds

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