Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Pelas Ruas de Paris (Netflix, 2019): os questionamentos de Anna

Filme francês indaga valores da sociedade atual, principalmente dos jovens, por meio de história de um casal andando pela capital da França.

Paris, a capital da França, é um dos principais destinos do mundo. Casais apaixonados vivem romances na “Cidade Luz”, prendendo cadeados na Pont des Arts para reforçar sua paixão, isso antes da ponte ter sido interditada, em função da quantidade de cadeados pendurados na estrutura. Nesse cenário, “Pelas Ruas de Paris” subverte o tradicional enredo de histórias de amor, apostando em uma narrativa repleta de metáforas e com forte conteúdo filosófico/sociológico, principalmente questionando o papel e o destino dos jovens na atual sociedade. Os millenials (nascidos após os anos 2000), um dos principais públicos da Netflix, são o centro do debate, que para contar sua trama não oferece respostas fáceis.

Mostrando a história de amor de dois jovens sob o ponto de vista de Anna (Noémie Schmidt) após conhecer Greg (Grégoire Isvarine) em uma balada, a relação entre eles se desenvolve rápido. Logo já vemos cenas no futuro, com o casal discutindo os próximos passos, como morar juntos ou na busca de melhores empregos. A ótima montagem encaixa momentos do presente e do futuro de formas desconexas, mas que tornam a narrativa compreensível. Tudo caminha para mais uma história de amor vibrante entre jovens sobre a benção de uma das cidades mais românticas do mundo, porém, “Pelas Ruas de Paris” está além de uma comédia romântica qualquer. A queda de um avião em que Anna deveria estar leva a garota a questionamentos profundos, abalando sua relação com Greg e a fazendo se perguntar sobre o destino da sociedade e o seu. Aqui, o filme veste uma nova roupagem, se tornando bem mais complexo e intrincado, o que não o torna necessariamente ruim.

Dirigido por Elisabeth Vogler, a produção francesa tem sua origem e seu fim nas ruas de Paris, onde se passam praticamente todas as cenas. A câmera de Vogler caminha junto com Anna e Greg de maneira irregular, nos apresentando a diversidade presente nas vias da cidade. Por meio desse olhar, conseguimos ver acontecimentos dos últimos três anos que abalaram a França, como os atentados terroristas contra os jornalistas do satírico Charlie Hebdo (12 pessoas mortas), ou diversos protestos de jovens e trabalhadores contra as condições de vida no país. Muitas dessas cenas parecem ter sido gravadas durante os protestos reais.

A fotografia, quase sempre em planos abertos, aproveitando todas as belezas de Paris, levam sempre à Anna. Entender o pensamento da jovem e a fonte de suas angústias é o principal combustível usado pela produção da Netflix, buscando refletir o pensamento da juventude nos tempos atuais. Com uma mensagem difícil de ser entendida e escapando do senso comum, “Pelas Ruas de Paris” não conta uma história simples, e as respostas apresentadas não são claras.

Inúmeras são as analogias e filosofias contidas nas frases pronunciadas e imagens vistas por Anna durante suas andanças pela cidade. Quem conseguir ir além e entender os pontos mais profundos debatidos, vai se deparar com um belo filme, ideal para entender e questionar os millenials (já nascidos com um celular conectado à internet na mão) sobre o seu papel na sociedade e o poder de mudança em uma era de internet e individualismo constante, movido pelo consumo desenfreado.

Perceber sua vulnerabilidade no mundo sem poder de mudar nada é transformador para Anna. Não ter poder nem sobre a sua triste realidade, que é apenas uma entre bilhões em uma sociedade onde poucos definem nossos destinos, é uma constatação dura para todo jovem. Por meio de analogias de uma outra Anna (quem sabe da sua consciência), recebemos uma mensagem: devemos curtir os bons momentos na vida. Nesse mundo incerto, repleto de desigualdades e explorações, o que permanece é o desejo de viver e ser feliz. A conclusão de “Pelas Ruas de Paris” não é fácil, mas quem disse que um filme deve ser acessível para ser bom? Entendendo-o, surge uma obra de original, mostrando um planeta em colapso e o papel dos jovens nele. Um debate necessário.

Filipe Scotti
@filipescotti

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