Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A Mula (2019): no piloto automático para o genérico

Com uma direção fraca, "A Mula" não parece ter força para se sustentar. O drama exposto em tela é frágil, e o que resta não deve captar a atenção de quem busca uma boa história.

É difícil sustentar um bom argumento quando a narrativa é fraca. A arte de contar uma boa história e de saber tirar proveito do “como” quando o “o que” é inevitavelmente previsível deveria ser o mínimo de qualquer bom filme. Mas Clint Eastwood (“15h17: Trem para Paris”) vai exatamente no sentido contrário em “A Mula”. E entre os raros momentos que prendem, existe uma sucessão de problemas e clichês.

A trama acompanha Earl Stone (Eastwood), um veterano da Guerra da Coreia que está sozinho e sem dinheiro, quando lhe é oferecido um trabalho como motorista. Sem saber, Earl aceita e começa a trabalhar para o cartel mexicano, entrando assim no radar de agentes da DEA – órgão americano encarregado da repressão e controle de narcóticos.

Clint Eastwood vem demonstrando a cada dia que não consegue caminhar no mesmo ritmo que o cinema atual exige. E essa forma de direção/atuação, sempre carregadas de maneirismos, é o principal responsável na construção inconsistente do seu personagem. Earl faz um caminho dúbio ao longo do filme, sendo incialmente apresentado como alguém amado pelos amigos, mas que abandonou a família sem sentir culpa. E quando começa a fazer seu trabalho como mula, não demonstra receio pelo que faz – a cena em que Earl encontra Colin Bates (Bradley Cooper, “Nasce uma Estrela”) evidencia a forma dissimulada como age, seja com a família ou com os traficantes. O problema, porém, está na forma como a direção olha para o personagem, tentando criar uma imagem de ingenuidade, porém sem conseguir sustentá-la por muito tempo. Esse tratamento, que beira a hipocrisia narrativa, dificulta um vínculo, seja de admiração ou de antipatia com Earl, prejudicando um maior envolvimento com a trama, uma vez que a câmera insiste em acompanhá-lo e deixar o restante do elenco de lado.

Essa construção de personagem torna-se mais evidente por conta da montagem que pula entre sequências de modo repentino para valorizar seu personagem – ou tentar reforçar sua inocência inexistente. A direção também não colabora nesse sentido; o olhar que o próprio Eastwood deixa para Earl é de alguém que não deve ser culpado pela situação, o que apenas reforça a tentativa de inocentá-lo de qualquer culpa, mesmo quando ele não se sente culpado pelo que faz. As cenas de festa na casa também surgem de forma ambígua numa mistura de ingenuidade e excitação (muito mal dirigidas, diga-se).

Sobra para o restante do elenco um papel reduzido, escondido pela sombra de Eastwood e insuficiente para qualquer tipo de desenvolvimento. Bradley Cooper, por exemplo, surge como um policial que já realizou grandes feitos no passado, e aqui apenas acompanhamos mais um caso para entrar no seu arquivo pessoal e profissional. À exceção de uma breve cena, não há nada que ajude a construir uma pessoa além do cargo que ocupa. Michael Peña, Laurence Fishburne (ambos de “Homem-Formiga e a Vespa”) e Andy Garcia (“Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo”) seguem para o mesmo caminho, porém com menos atenção dedicada a eles, bem como o núcleo familiar de Earl, que serve exclusivamente como muleta para tentar redimi-lo, porém sem o devido sucesso.

Houve um tempo em que um filme dirigido e protagonizado por Clint Eastwood poderia ser considerado sinônimo de qualidade. Infelizmente isso ficou no passado, e “A Mula” mostra-se como apenas mais uma demonstração de como às vezes é melhor parar enquanto ainda se está no auge. Talvez se tivesse sido lançado na década de 1990, estivéssemos diante de uma obra um pouco mais coerente. Porém, o cinema caminha para frente, e Clint parece não conseguir andar no mesmo ritmo, optando por trabalhar num piloto automático lamentavelmente genérico demais.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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