Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Hotel Artemis (2018): feito como um piloto de série

Um longa mediano que seria um excelente começo para uma série de TV.

A disseminação das linguagens audiovisuais nas casas mundo afora tornou várias pessoas fluentes no reconhecimento de técnicas em cinema e TV, que antes eram mais diluídos e delimitados pela maior dificuldade de acesso. As redes de streaming facilitaram o contato com várias temporadas de séries e filmes que, muitas vezes, o público não veria de outra forma. Assim, quando um longa como “Hotel Artemis” surge em 2018, a defasagem da sua linguagem é óbvia: este é um filme que funcionaria muito melhor se fosse o primeiro episódio de uma série de televisão.

Na trama, o hotel do título é um refúgio para criminosos que precisam se esconder ou de cuidados médicos, os quais são oferecidos pela Enfermeira (Jodie Foster, “Elysium“) com o suporte de seu ajudante e pupilo Everest (Dave Bautista, “Guardiões da Galáxia: Vol. 2“). Os negócios funcionam bem até uma fatídica noite, quando Waikiki (Sterling K. Brown, da série “This is Us“), Nice (Sofia Boutella, do remake de “A Múmia“) e outros meliantes decidem todos ter um dia especialmente ruim.

Mesmo neste curto resumo, é clara a estrutura seriada que o filme pareceu escolher para si. Os múltiplos personagens demandam seus próprios arcos narrativos para desenvolverem suas histórias. Com somente uma hora e meia de duração, não há tempo suficiente para aprofundar todos aqueles que transitam pelos corredores do hotel, de forma que os infortúnios enfrentados pelos criminosos não alcançam o impacto pretendido pelo roteiro e pela direção.

Assim, é frustrante acompanhar o desenrolar de “Hotel Artemis”: temos ótimos vislumbres das subtramas destes personagens, apenas para vê-los serem descartados em prol da correria do enredo principal; o longa tem um objetivo e corre em sua direção, disparando curtas sequências paralelas que somente ensaiam explorar melhor os criminosos-sócios do Artemis. Quando atravessa a desejada linha de chegada, o filme chega cansado e sem ímpeto, com várias pontas soltas que, apesar de charmosas, seguem superficiais.

Isso se dá independentemente dos esforços dos atores. A química entre Foster e Bautista é boa e convence que há uma relação de mãe-e-filho entre eles. Sterling K. Brown e Sofia Boutella não têm a mesma sorte quando contracenam, mas funcionam muito bem individualmente – especialmente Brown, que rouba a cena com o mesmo carisma intenso que demonstra em “This is Us“. Bem equilibrado, o elenco não é o problema, ainda contando com Zachary Quinto (“Star Trek“), Jeff Goldblum (“Jurassic World – O Reino Ameaçado“) e Charlie Day (“Círculo de Fogo: A Revolta“) como fortes reforços.

Há mais dificuldades na mão de Drew Pearce, roteirista de “Homem de Ferro 3“, aqui pela primeira vez assumindo o posto de diretor. A sua condução da história funciona, e a fotografia de Chung Chung-hoon (“It: A Coisa“) utiliza a composição de cenas efetivamente para retratar o aperto do Artemis. As câmeras são bem posicionadas em planos efetivos, ora utilizando closes em espaços mais amplos para reduzi-los e gerar claustrofobia, ora abrindo a cena em corredores estreitos – curiosamente para gerar o mesmo efeito. O longa segue utilizando as paredes e os halls para gerar tensão, transformando o hotel em um personagem em si.

A crítica crucial, então, sobra para o roteiro. Sofrendo com um excesso de personagens subaproveitados em pífios 90 minutos, o longa se abala em suas estruturas, tendo dificuldades para sustentar com interesse a boa ação que apresenta. Seus múltiplos arcos com diversos mistérios – dos nomes reais dos personagens às suas motivações mais profundas – seriam muito mais apropriados para um formato seriado. Considerados seus altos e baixos, “Hotel Artemis” é um ótimo episódio-piloto de série de TV se passando por um longa-metragem mediano que não entrega o que insiste em prometer.

Erik Avilez
@eriksemc_

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