Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Os Parças (2017): comédia sem humor

"Os Parças" tenta fazer referência ao humor ingênuo e atrapalhado de décadas anteriores, mas lhe falta o básico para ser uma comédia eficiente: saber fazer rir.

A inspiração de Halder Gomes (“O Shaolin do Sertão“) para “Os Parças” foi um tipo de humor físico, circense, ingênuo e infantil que remete ao clássico Trapalhões. Em seu novo filme, Toinho (Tom Cavalcante, “Sai de Baixo: O Filme“), Ray Van (Whindersson Nunes, “Os Penetras 2: Quem dá mais?“), Pilôra (Tirullipa, “O Shaolin do Sertão“) e Romeu (Bruno de Luca, “Copa de Elite“) formam uma trupe de amigos que precisa organizar uma grande festa de casamento sem qualquer dinheiro – caso haja alguma falha na cerimônia, eles precisarão lidar com Vacário (Taumaturgo Ferreira, “A Noite da Virada“), pai da noiva e maior contrabandista da rua 25 de Março em São Paulo.

A boa intenção da proposta logo é frustrada, principalmente por conta do humor raso baseado em esquetes desinteressantes e mal construídas pela direção e pela montagem. Havia a possibilidade de extrair bons momentos de pessoas comuns, inseridas no mercado informal ou em atividades mal remuneradas, que precisam preparar um casamento, porém o resultado é completamente diferente: há piadas sexistas, escatológicas e infantilizadas que não se sustentam mais atualmente; há tentativas cômicas através de gags visuais e inserções gráficas e estilizadas do  diretor que não funcionam devido a uma direção confusa; há humor de situação que também sofre pela falta de organização da narrativa, em razão dos planos e sequências picotados pela montagem. Além disso, existem vários momentos em que a trama se torna um conjunto de esquetes para dar aos atores oportunidade de explorar sua persona cômica, algo que compromete o ritmo e o conflito central do roteiro.

A estrutura e as escolhas do filme nem sequer contribuem para os quatro atores principais. Em geral, há comediantes com uma longa carreira estabelecida ou outros ascendendo recentemente, todos eles prejudicados pela utilização de piadas repetitivas que exageram na caricatura ou apenas citam seus trabalhos anteriores. Whindersson Nunes e Tirullipa formam a dupla responsável pelo humor físico, porém cabem a eles as piadas infantilizadas ou sexistas (dentre elas, referências à homossexualidade e cheiros ruins deixados em banheiros) ou caras e bocas estranhas que atrapalham a imersão do público. Tom Cavalcante apresenta simplesmente seus tipos consagrados, como a imitação do cantor Fábio Jr. e de bêbado, personagens nem sempre necessários à história. Bruno de Luca se encontra perdido na comédia, não conseguindo acompanhar o timing cômico do resto do elenco, servir como escada para as piadas ou convencer quando usa um forçado sotaque paulista.

Um dos elementos que enfraquece o desenvolvimento do roteiro é a direção de Halder Gomes. Além de falhar na condução dos atores, ao simplesmente destinar a eles passagens para fazer o que já fizeram anteriormente sem novidades, ele não constrói planos compreensíveis e organizados para mostrar o que acontece em tela. A maneira displicente como os atores são enquadrados e os desorganizados movimentos de câmera inviabilizam o entendimento da geografia da cena, não sendo possível captar a localização espacial dos personagens e as relações entre eles. Mesmo sequências simples de diálogos são filmadas em estranhos ângulos, fora de propósito e sob uma câmera que se move tão abruptamente que, constantemente, desvirtua o eixo necessário para a compreensão do que se passa. As sequências de uma perseguição, no primeiro ato, e do casamento, no desfecho, são exemplos claros do caos visual da narrativa.

Em consonância com a atrapalhada direção está a montagem atropelada por tentativas mal-sucedidas de dinamismo. A construção de muitas cenas separadamente já revela o equívoco de tentar conferir ritmo através de uma multiplicação frenética de cortes, problema encontrado não apenas em situações em que alguma ação está ocorrendo, mas também em diálogos que têm suas frases divididas em vários planos desnecessários. No encadeamento das cenas, a falha se torna ainda mais explícita, afinal muitas piadas se perdem em função da falta de cuidado na sua preparação e a própria trama não se desenvolve como poderia – em muitas ocasiões, não é possível compreender como determinados personagens apareceram em determinado lugar interagindo com alguém que até então estava distante, ou como um acontecimento está ligado a outro mostrado posteriormente.

Em um instante específico do segundo ato, “Os Parças” acena com a possibilidade de passar por uma transformação em seu tom: de forma surpreendente, ele abraça o drama ao colocar seus três personagens nordestinos falando, sob o formato de um cordel, sobre as dificuldades de viver em uma cidade como São Paulo. Esse breve momento, entretanto, logo é sufocado pelo retorno da comédia rasa, sem humor verdadeiro e mal construída visualmente que preenche todo o filme. A curta cena, ligeiramente incomum se comparada às demais, tem mais potencial do que todo o resto da obra para alcançar um bom resultado. Porém, tal cena não é aquilo que o filme escolhe contar nem o resultado positivo aquilo que ele, concretamente, consegue.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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