Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de fevereiro de 2019

Alita: Anjo de Combate (2019): Hollywood no caminho certo

Mesmo falhando no principal relacionamento, o filme é provavelmente a melhor adaptação de um mangá em Hollywood e entrega uma forte protagonista em um mundo visualmente deslumbrante.

No ano de 2563, o Dr. Ido (Christoph Waltz, de “Pequena Grande Vida”) vasculha a sucata descartada da cidade flutuante de Zalem em busca de partes cibernéticas para tratar a população da Cidade do Ferro, construída em volta dessa montanha de entulho. Nesse mundo, é comum que as pessoas tenham partes robóticas implantadas, com alguns humanos sendo quase 100% metálicos. Na sua busca, ele se depara com um busto de uma ciborgue cujo cérebro ainda está funcional. Ele a resgata e dá um corpo a ela, que acorda sem memória. Essa é a protagonista de “Alita: Anjo de Combate”.

“Alita” é um projeto que James Cameron procurava levar às telonas há anos, tendo sido anunciado oficialmente em 2003. Com seu envolvimento no desenvolvimento da franquia “Avatar”, a adaptação do mangá de mesmo nome foi sendo adiada, até que finalmente viu a luz do dia em 2019, com produção do próprio Cameron e direção de Robert Rodriguez (”Sin City: A Dama Fatal”). Ambos também trabalharam no roteiro junto com Laeta Kalogridis (“O Exterminador do Futuro: Gênesis”).

Alita é interpretada por Rosa Salazar (“Bird Box”), que faz um ótimo trabalho ao interpretar a curiosidade ingênua e cativante da personagem, maravilhando-se com tudo de novo ao seu redor. Conforme relacionamentos vão sendo desenvolvidos e ela vai descobrindo mais sobre si mesma, Alita passa por uma gama de emoções e descobrimentos que a tecnologia de captura de desempenho de Salazar transmite muito bem. É uma protagonista com carisma e presença.

Visualmente, o filme é deslumbrante. O CGI é bem acima da média e torna tudo crível e nítido, e nenhuma cena de luta aqui é confusa. As batalhas empolgam e divertem, com destaque para a sequência do bar e a partida de motorball, esporte desse mundo onde ciborgues competem numa arena perseguindo uma bola, destruindo uns aos outros no processo. O design de produção é magnífico e funciona muito bem para mostrar como é esse mundo distópico ao retratar uma cidade suja e pobre, com entulho para todo o lado e construções velhas reaproveitadas de ruínas. É fácil acreditar que humanos vivem naquela situação há muitos anos.

Há alguns problemas como a subutilização de antagonistas, com atores de alto calibre sendo desperdiçados em papéis pequenos e pobres. Vector (Mahershala Ali, de “Green Book – O Guia”) é mal manipulado, com pouco espaço para que suas motivações e metodologia sejam explorados a ponto de se tornar interessante. Jennifer Connelly (“Homens de Coragem”) faz a ex-mulher de Ido, Chiren, que se não existisse no filme, não faria falta. E o que tenta se passar como final de seu arco é, francamente, ridículo. Porém, nada disso é um grande problema.

O que é, de fato, um baita defeito é a relação romântica que nasce entre Alita e Hugo (Keean Johnson, da série “Guidance”). A química não está lá e, desde a primeira cena com os dois em tela, o relacionamento parece forçado. É uma pena, pois grande parte do que guia o arco de Alita vem dessa relação. É pobre, artificial e melodramática demais, e o filme sofre com isso. Esse problema já não ocorre com a relação de pai e filha que floresce entre Ido e a protagonista, essa sim é adorável e, mesmo apressada com alguns elementos, cativa e conquista.

Como adaptação, é notável o carinho que houve pelo material original. A ambientação e os principais acontecimentos estão presentes no longa de uma forma ou de outra, e até as tentativas de tocar em assuntos mais profundos estão presentes. Do visual aos relacionamentos, o time de roteiristas procurou respeitar a fonte. O texto também constrói muito bem os eventos passados que levaram a sociedade a se transformar daquela maneira, terminando com um bom gancho para uma possível sequência, já que esse filme não tentou adaptar o mangá de Yukito Kishiro inteiro de uma vez só,  havendo ainda onde extrair mais conteúdo.

O romance entre Alita e Hugo era central para que o longa fluísse bem e, infelizmente, ficou raso e acabou tirando o peso de momentos importantes na jornada da protagonista. Mesmo assim, “Alita: Anjo de Combate” tem um visual de cair o queixo e lutas bastante empolgantes com efeitos especiais de alta qualidade. É um grande passo nas adaptações de mangá/anime em Hollywood, e merece esse reconhecimento. Esta forte protagonista nos trouxe um bom filme, e pode trazer ainda mais.

Bruno Passos
@passosnerds

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