Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de janeiro de 2019

Fyre Festival – Fiasco no Caribe (Netflix, 2019): a que ponto chegamos…

A partir de registros exclusivos e depoimentos dos envolvidos, o documentário relata o constrangedor caso de um gigantesco festival de luxo destinado a um glorioso fracasso.

Em 2017, o que prometia ser a festa mais exclusiva e luxuosa do momento se tornou um desastre de proporções épicas. Idealizado pelo jovem empresário Billy McFarland ao lado do rapper Ja Rule, o Fyre Festival seria um grande evento numa ilha reservada em Bahamas para influenciadores, celebridades, supermodelos e quem mais tivesse os milhares de dólares exigidos por um espaço no local. Conceitualmente, era uma ideia perfeita para quem tivesse o empreendedorismo e a confiança no sangue como Billy e, com milhões disponíveis para investir, nada poderia dar errado, certo? No melhor estilo “contra fatos não há argumentos”, o documentário “Fyre Festival – Fiasco no Caribe”, disponível na Netflix, tenta explicar como esse Titanic afundou.

Billy McFarland mal tinha entrado na maioridade e já se destacava como homem de negócios. Criativo fundador de um cartão/clube exclusivo para millennials abastados buscando status, o inquieto rapaz pensava em emplacar mais ideias como a Fyre Media, um promissor aplicativo tipo Uber para contratar shows de artistas como Ja Rule. Foi com o rapper que nasceu a maravilhosa ideia de produzir um festival no Caribe para promover o aplicativo. E é neste ponto da história que o documentário de Chris Smith (“Jim & Andy”) começa a tecer a tese de como montanhas de dinheiro, promessas irresistíveis e poder de convencimento não se sustentam contra a ganância megalomaníaca e a imbecilidade motivada.

Em blocos bem definidos, o filme reúne relatos de quem trabalhou diretamente na produção do festival, que foi ganhando proporções monumentais à medida que Billy e Ja Rule se empolgavam com a grande ideia. Atrair a nata da alta sociedade festeira num evento nunca feito antes e abraçar todo o potencial lucrativo desse empreendimento era irresistível demais no papel. Rapidamente, o aplicativo que seria a razão de ser do Fyre Festival foi deixado de lado para dedicar todo o esforço possível para o evento. Não há depoimentos diretos de McFarland no filme, porém, no auge da era digital, os envolvidos documentavam orgulhosos para mídias sociais todos os passos para promover o festival. Esses verdadeiros delírios de grandeza registrados como causas da tragédia anunciada fazem com que a narrativa do documentário conduza o espectador a refletir sobre os motivos que levaram ao grande fiasco do título.

O constrangimento, a decepção e a incredulidade das equipes entrevistadas são palpáveis na tela. Nos rosto dos profissionais experientes se vê perplexidade pela tamanha inconsequência dos organizadores que não ouviam os avisos. Na voz de talentosos jovens em início de uma promissora carreira, a tristeza e o ressentimento por terem sido convencidos de que seriam capazes de fazer o projeto acontecer mesmo com todos os indícios contrários. O dinheiro cega. E tanto, que conforme os dias para o grande evento se aproximavam, o absurdo das decisões tornava difícil voltar atrás. Num flagrante metafórico, cerveja é derramada sobre os planos em uma reunião de puro amadorismo e confiança exacerbada. Todo esse relato cronológico leva ao grande clímax do documentário, quando os convidados acostumados com o requinte e a boa vida começam a chegar na ilha cheios de expectativas, só que sem a menor ideia da furada que os esperava.

“Fyre Festival – Fiasco no Caribe” conclui a impressionante história relatando as consequências dramáticas do acontecimento e a repercussão na vida dos que dedicaram tempo, dinheiro pessoal e suor ao projeto e nunca viram a recompensa. Em meio a reflexões sobre responsabilidades e com um grande vilão representado por Billy McFarland, o documentário ainda teve acesso a vídeos comprometedores que ajudam a concluir sobre a índole do ambicioso empresário. Para explicar o colossal fracasso do festival, fica a atribuição do papelão de todos os envolvidos a um caso excepcional de dissonância cognitiva coletiva ou, como diz um humorista, ao darwinismo na sua melhor forma.

William Sousa
@williamsousa

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