Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Solo (Netflix, 2019): diferenciando liberdade e solidão

Drama espanhol tem bons momentos de reflexão do protagonista, mas peca na montagem e no ritmo dos flashbacks.

Baseado em fatos, “Solo” conta uma história que aconteceu em 2014 com Álvaro Vizcaíno (Alain Hernández, de “O Fotógrafo de Mauthausen”), um surfista espanhol que caiu de um penhasco em uma área remota das Ilhas Canárias. Lutando pela sobrevivência por 48 horas, ele reflete sobre suas relações com sua namorada Ona (Aura Garrido, de “O Aviso”) e seu amigo Nelo (Ben Temple, de “A Pele Fria”).

Dirigindo seu segundo filme, Hugo Stuven (de “Anômalo”) abusa dos planos abertos, aproveitando tudo que as belas paisagens paradisíacas podem proporcionar, mostrando também a imponência do penhasco causador de toda a história. Após o acidente, o enquadramento ganha um novo significado: apresentar como o protagonista está sozinho no mundo e como o ser humano é pequeno perto da força da natureza.

A cena da queda é muito bem executada, com foco na insistência do personagem em se manter em terra firme. Ao não ter mais escapatória, a câmera mergulha junto com o protagonista, criando a mesma sensação de sufoco nos espectadores. A obra tem elementos perecidos com “127 Horas”, drama lançado em 2010, de Danny Boyle. A diferença neste caso é que Vizcaíno não está preso em uma pedra e sim com a bacia fraturada após a queda. Sem conseguir levantar para pedir socorro ou se movimentar para uma área mais segura, ele precisa permanecer imóvel enquanto luta com a sua própria consciência para permanecer lúcido.

A batalha pela sanidade lembra também o trabalho de Julian Schnabel em “O Escafandro e a Borboleta” (2007). O filme chega a levantar uma questão sobre a liberdade, mas permanece na superfície e fica longe da qualidade da obra do diretor norte-americano ao abordar o tema. “Solo” utiliza da mesma proposta da metáfora do escafandro, que além de apresentar a perspectiva do protagonista, mostra a incapacidade, a solidão e o aprisionamento. A amizade de muitos anos com Nelo, visto como alguém de espírito livre e sem amarras com a sociedade, se transforma em um dos fantasmas que assombram a mente de Álvaro. Ao ver o experiente amigo deixando o grupo para mergulhar de cabeça em um relacionamento sério, ele passa a repensar suas ações em meio a devaneios e muitas dores.

Para contar sobre o passado do surfista, são adicionados flashbacks que não funcionam bem, pois acabam freando a busca por sobrevivência para revelar casos isolados que não evoluem a identidade do personagem. A montagem também inclui cenas que não conversam com o andamento da história, como clipes que parecem que foram tirados de canais a cabo de esportes radicais ou de um vídeo da MTV.

Apesar do roteiro frágil, Hernández consegue sustentar o filme mesmo com a câmera apontada para ele praticamente em toda a história e com um personagem difícil, que percebe a culpa que carrega ao ver a morte de perto. Destaque para a atuação de Garrido, que demonstra maturidade e muita paciência para explicar de maneira simples em que pé está seu relacionamento com Vizcaíno.

Evidenciando que não é preciso ficar à beira da morte para se livrar de lembranças negativas, mesmo com os flashbacks problemáticos, “Solo” é uma boa novidade no catálogo da Netflix.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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