Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de janeiro de 2019

Inspire, Expire (Netflix, 2019): desventuras da vida real

Uma representação sensível e minimalista dos problemas sociais contemporâneos, a partir do encontro entre duas mulheres de realidades não tão distintas assim.

Empatia, identificação emocional, amor e luta pela sobrevivência são sentimentos que podem aproximar pessoas aparentemente sem nada em comum. Universos tão diferentes entre si, à primeira vista, podem conter semelhanças muito significativas. É por essa linha que segue “Inspire, Expire“, a produção islandesa original Netflix recém-lançada. Ao contar uma história tocante, simples e minimalista, o filme aborda formas variadas de marginalização na sociedade contemporânea e os laços inusitados que se formam no mundo atual.

A trama se debruça sobre duas pessoas que têm suas vidas conectadas de forma inesperada: uma mãe solteira islandesa na luta contra a pobreza, e uma refugiada de Guiné-Bissau ameaçada de deportação. O encontro acontece logo após Lara (Kristín Þóra Haraldsdóttir) começar a trabalhar no aeroporto para tentar criar seu filho Eldar (Patrik Nökkvi Pétursson); em seu primeiro dia de trabalho, avisa ao colega sobre o passaporte falso de Adja (Babetida Sadjo), o que impede a imigrante de seguir viagem para o Canadá e a leva para a prisão. A partir dessa premissa inicial, a trama é carregada por duas mulheres fortes que sabem muito bem o que querem e se esforçam ao máximo para conseguir – especialmente quando o que está em jogo é o bem-estar de seus filhos.

Inicialmente, uma mulher islandesa e outra proveniente de Guiné-Bissau pertenceriam a realidades tão distintas que não seria possível encontrar pontos em comum. Entretanto, o roteiro mostra como as diferenças estão apenas nas aparências, porque cada uma delas, dentro de sua especificidade, está perdida e excluída de uma boa condição de vida. Lara tem graves problemas financeiros, mal conseguindo pagar as compras no supermercado e o aluguel da casa; já Adja é uma imigrante que não consegue concluir sua desejada viagem para o Canadá, onde almeja um maior qualidade de vida, e acaba confinada na prisão e depois em um conjunto habitacional reservado para imigrantes em condições irregulares. Além da ligação social provocada pelas dificuldades da pobreza e pela crise dos refugiados, as duas mulheres também têm suas vidas cruzadas e passam a se ajudar porque colocam os filhos em primeiro lugar: Lara precisa proteger Eldar dos riscos da pobreza, enquanto Adja quer se reencontrar com a filha que conseguiu viajar para o Canadá.

As trajetórias das duas protagonistas não precisam ser esmiuçadas detalhadamente para conseguir gerar uma identificação junto ao público. A narrativa é econômica e transmite informações importações sobre elas de forma sutil e gradual. Lara tem uma paixão platônica pela mãe de um colega de seu filho, tem problemas de relacionamento com a própria mãe e já teve problemas para manter a guarda de Eldar. Já Adja sofre o preconceito por conta de sua orientação sexual, é atormentada por uma tragédia pessoal em seu passado e ainda nutre uma saudade muito grande de sua filha. Diálogos e sequências aparentemente banais informam tais características sem muito alarde, assim como as performances das atrizes conferem a Lara uma personalidade mais expansiva e dura, e a Adja, mais sensível e tímida, que sofre silenciosamente.

As angústias vividas pelas duas personagens também são evocadas pelos planos gerais, que situam o ambiente onde elas estão. Ao colocar as duas mulheres em ambientes inóspitos, desolados e grandiosos em uma posição de inferioridade no canto da tela, “Inspire, Expire” procura mostrar o sufocamento psicológico em que vivem, como se mal pudessem respirar em algum momento de alívio e tranquilidade. Por vezes, a utilização do establishing sot (ângulo que estabelece onde a cena seguinte irá se passar) não é tão necessária, afinal é possível compreender o local onde a cena acontece pela dinâmica dos personagens.

O maior questionamento que se pode fazer ao filme é seu ritmo. Em determinados instantes, ele se torna relativamente arrastado por conta de planos longos, câmera estática, ou de uma duração média mais estendida do que é costumeiro para o público em geral. Nas sequências de contemplação e introspecção, esse estilo corresponde muito bem para registrar com riqueza de detalhes a condição emocional das protagonistas; porém, quando ocorre em sequências que precisam mover a narrativa e seus acontecimentos, o ritmo é comprometido.

“Inspire, Expire” é, em suma, um filme de pequenos gestos, pequenas atitudes e sem grandes reviravoltas melodramáticas. O entrelaçamento das trajetórias das duas mulheres é feito com uma sensibilidade que toca nas dores do mundo contemporâneo, mas que também oferece a possibilidade de transformação desde que se esteja aberto para conhecer e respeitar o outro. É com essa ajuda mútua que se pode buscar um momento de alívio e respirar gradual e pausadamente, em busca de vidas transformadas para melhor (por menor que pareça essa melhoria).

Ygor Pires
@YgorPiresM

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