Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Museu (YouTube Originals, 2018): por que roubar o valor da história?

Inspirado no famoso roubo de 1985, "Museu" traz Gael García Bernal no papel de um homem que busca defender o patriotismo mexicano, só não sabe direito por quais motivos.

Na noite de Natal de 1985, o Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México foi furtado por dois homens que levaram mais de uma centena de joias arqueológicas sem deixar rastros. Ao tratar sobre esse notável evento, “Museu” se autodefine como uma história “réplica da original”. Estrelado por Gael García Bernal (“E Sua Mãe Também”), o filme recria os passos dos gatunos e apresenta características fictícias a seus personagens com muito bom humor para então tentar responder por que eles fizeram o que fizeram.

A história é narrada pela voz do solitário Benjamin Wilson (Leonardo Ortizgris, “Gueros”), que cuida do pai doente e acompanha o personagem de Gael, Juan Nuñez, na célebre façanha. Ele argumenta que não há como definir de onde nasceu a ideia, mas o roteiro estabelece todo um contexto familiar, formador da personalidade de Juan, antes de lidar com o ato criminoso e suas consequências. Juan é filho de um médico e visita o consultório do pai adornado por quadros simbólicos pensando que pode estar morrendo. Sua família é grande, ele tem muitos irmãos e sobrinhos, mas sua excentricidade faz com que Juan não se identifique com nenhum deles e busque o isolamento. Contra o “capitalismo gringo”, o mexicano repreende a mãe por falar “fruitcake” em vez de “bolo de frutas” e recusa a fantasia de Papai Noel na noite de Natal.

A atitude confrontadora perante a família, o sentimento de fazer justiça às origens ao resgatar as peças da guarda do museu ou simplesmente pelo desafio do “por que não?”, todos são motivos possíveis para Juan arrastar Wilson no meio da noite para executar o plano do roubo. Mal finalizam a proeza e Juan já lida com os sentimentos conflitantes ao ver em delírio o espírito de Pacal, o grande governador maia, testemunhando o furto “bem-intencionado” de suas joias. O receio da reprovação de seu pai e a consciência de estar lesando a cultura mexicana também doem em Juan, mas já é tarde. Os amigos precisam se preocupar agora em dar um fim para as peças evitando serem capturados no caminho.

A partir desse ponto, as características de “estudo de personagem” e de “filme de golpe” dão lugar a um “road movie” pelo México sem perder o flerte com o estilo de humor “camp”, tanto na montagem de algumas sequências, como a da briga em Acapulco, quanto na interpretação de García Bernal. Também presentes durante todo o longa estão comentários sociais sobre a valorização da cultura e da arte, brincando com referências ao conquistador Hernán Cortés e ao antropólogo Carlos Castaneda, e com a ironia dos destinos e utilidades que as peças arqueológicas recebem durante o caminho. Por outro lado, “Museu” se abstém de uma conclusão moral sobre a quem se deve a propriedade de joias e artefatos “resgatados” de seu lugar original, deixando o debate para os espectadores.

Carregado pelo magnetismo de Gael García Bernal e pela direção estilística de Alonso Ruizpalacios (“Gueros”), “Museu” é um divertido filme que prova que reinventar os aspectos humanos da história pode ser mais recompensador que tentar assumir as intenções e objetivos dos envolvidos no evento real. Simplificada nos dizeres da mochila de Juan, a mensagem “México continua em pé” atravessa a história como uma melancólica ode ao nacionalismo e satisfaz como uma reflexão poética disfarçada de comédia de assalto.

William Sousa
@williamsousa

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