Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de dezembro de 2018

O Grande Circo Místico (2018): a magia do circo ofuscada pela pobreza narrativa

O longa de Cacá Diegues é como um palhaço triste ou um mágico sem cartola. Há sempre um incômodo de algo que parece não funcionar direito e o mundo do espetáculo se resume a um show sem emoção.

O circo é um local onde tudo é possível. A partir do momento que se está debaixo da tenda onde o espetáculo acontece, é como se o público atravessasse a dimensão do real e entrasse num local onde não há limites. A beleza das cores, a diversidade dos personagens e as possibilidades do espetáculo tornam a arte circense única e poética à sua própria maneira. E é justamente da poesia de Jorge de Lima que Cacá Diegues (“O Maior Amor do Mundo”) busca inspiração para seu mais novo longa, “O Grande Circo Místico”. Mas dos versos ao cinema, o resultado é qualquer coisa, menos poético.

A trama acompanha, ao longo de cem anos, cinco gerações da família Knieps e seu envolvimento com o mundo do circo. Entre palhaços, malabarista e trapezistas, o filme mostra a violência e a tristeza que não costumam chegar ao picadeiro.

Diegues parece ignorar o poder do espetáculo e a beleza da plateia. Seu circo é tão morto quanto vazio. O público, quando mostrado, parece não se encantar com o espetáculo, morrendo aqui um dos elementos necessários para uma narrativa circense. Para onde se olha, parece ser possível sentir que não se trata de um espetáculo, mas sim de uma encenação, algo que não serve nem para cativar quem assiste ao filme, nem quem assiste (ou deveria estar assistindo) ao show.

Ainda assim o visual é agradável. O início, apesar de pouco colorido, é atrativo. E gradualmente, conforme as gerações vão passando e o espírito do circo morre, a paleta de cores se torna cada vez menos saturada,e a lona do circo se torna cada vez mais rasgada. Se por um lado esse simbolismo é bem retratado pela direção de arte, do outro, roteiro e direção parecem seguir o mesmo desânimo da família Knieps e ignoram a necessidade de desenvolver os personagens, que entram e saem de cena sem que haja qualquer tipo de empatia.

E Diegues é quem parece ser o menos interessado pelos personagens. As temáticas pesadas que constroem cada geração da família passam pela violência física, traição, vingança, incesto e estupro. Mas havendo pouco a se saber sobre os personagens, seus atos assumem um ar de gratuidade incômodo. É como se a violência, sobretudo com a figura feminina, fosse algo meramente banal. Em cem anos, pouco muda na forma como o sexo afeta os bastidores do circo. Uma preguiça narrativa e sem sentido para a trama.

Cabe para Jesuíta Barbosa (“Deslembro”) tentar oferecer alguma profundidade ao filme. Seu personagem, Celavi, está ali como uma antropomorfização da expressão que seu nome carrega (C’est La Vie, em francês). Ele é o circo que sobrevive ao longo de um século sem envelhecer. Mudam os papéis mas o espetáculo é sempre o mesmo. O desempenho de Barbosa está acima do que o próprio longa oferece, o que apenas reforça a falta de profundidade dos demais membros da família.

Ignorando todo o potencial do realismo fantástico, “O Grande Circo Místico” é um filme que tenta ser bonito visualmente, mas falha nos demais quesitos que são necessários na construção de um longa-metragem. A trilha sonora – composta por Chico Buarque e Edu Lobo para o musical de 1983, também adaptado do poema de Jorge de Lima -, embora belíssima, destoa do que é apresentado na tela. O resultado é uma construção em cinco partes que pouco tem a oferecer ao público. O circo morreu e não há muito para se ver por aqui.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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