Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Esqueceram de Mim (1990): esqueça Macaulay Culkin por um instante [CLÁSSICO]

Faça uma experiência: deixe de lado o protagonista e fique atento ao trabalho de Chris Columbus, John Williams e John Hughes.

É consenso que é muito difícil pensar em “Esqueceram de Mim” e não ligar os pontos diretamente à imagem de Macaulay Culkin. Entretanto, ele não será o destaque aqui. Esqueça um pouco o trabalho do jovem e reveja o filme observando o talento de outras três pessoas: o diretor Chris Columbus, o compositor John Williams e o roteirista John Hughes. Estes profissionais foram os responsáveis por tornar o longa um clássico do Natal e catapultar o jovem ator para o seu apogeu nos anos 1990.

Após ser acidentalmente deixado sozinho em casa pela família que foi passar o Natal na França, Kevin McCallister (interpretado por Culkin, ainda no começo da carreira) decide aproveitar o tempo fazendo tudo o que não faria enquanto seus pais estivessem em casa. Ao ver a moradia vazia, dois ladrões, Marv (Daniel Stern, de “Garota Fantástica”) e Harry (Joe Pesci, de “O Bom Pastor”), decidem tentar roubar todos os objetos de valor da casa – um videocassete valia ouro na época. A criança então se coloca no papel de defensor da residência e decide fazer o possível para acabar com o plano dos chamados “Bandidos Molhados”. Enquanto isso, os pais (interpretados por Catherine O’Hara, da série “Desventuras em Série” e John Heard, da série “Outsiders”) tentam voltar para casa e enfrentam a burocracia dos aeroportos americanos.

O principal êxito do diretor é desenvolver a obra como uma comédia despretensiosa e sem medo de utilizar o humor físico. Com um pouco de suspensão de descrença, é fácil se divertir com as mais criativas armadilhas que Kevin prepara contra Marv e Harry, que vão desde tiros de chumbinho e carrinhos para escorregar, até maçanetas incandescentes e o lançamento de um ferro de passar roupas. Anos depois, Columbus ainda trabalharia com outros longas baseados no clima natalino: “Esqueceram de Mim 2: Perdido em Nova York”, como diretor e “Um Herói de Brinquedo”, “Um Natal Muito, Muito Louco” e recentemente “Crônicas de Natal”, na função de produtor. Seu nome virou praticamente um sinônimo de filmes de Natal.

O segundo artista que precisa da sua atenção em “Esqueceram de Mim” é John Williams, criador de melodias inesquecíveis como “Star Wars” e “E.T. – O Extraterrestre”. Ele compôs uma das trilhas mais belas de sua carreira, destacando o Natal em cada nota por meio de sinos, corais, harpas e violinos. A obra caminha entre a inocência de Kevin, a comédia, e o senso de urgência em que o protagonista passa por certos momentos de dificuldade. Williams utiliza a proposta de leitmotiv, uma técnica de composição introduzida por Richard Wagner no ciclo de óperas “O Anel do Nibelungo”, que utiliza constantemente o mesmo tema musical para associá-lo a um personagem, local ou proposta. O tema principal é repetido ao longo do filme em diversos tons, transmitindo um sentimento diferente em cada versão.

Por último, além do tom leve, Hughes, que já tinha carreira de clássicos consolidados como “Férias Frustradas” e “Curtindo a Vida Adoidado”, consegue contrastar em seu texto a tristeza de viver sem as pessoas que ama com o significado de união do Natal. Seu trabalho no roteiro enaltece a obra, principalmente na cena da igreja, em que Kevin e seu vizinho Marley (interpretado por Roberts Blossom) conversam sobre suas definições de medo. Mesmo muito mais velho do que o garoto, Marley tinha um outro tipo de medo, o de nunca mais conseguir conversar com o filho. No caso de Kevin, ao mesmo tempo em que desfruta da liberdade para pular na cama, correr pela casa e comer sorvete à vontade sem levar broncas dos pais, sua imaginação de criança faz com que o aquecedor da casa no porão pareça com um monstro que vai devorá-lo. O medo não escolhe idade para atingir a consciência de uma pessoa, mas some rapidinho ao ver uma porção de coragem.

Macaulay Culkin tem seus créditos pelo filme ser lembrado até hoje na época de Natal. Entretanto, quem fez a obra brilhar também merece ser enaltecido. Columbus, Williams e Hughes são nomes que não esqueceremos. Ninguém quer ser esquecido, independente da época do ano.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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