Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Paraíso Perdido (2018): o mundo inteiro dentro de um clube

A cineasta Monique Gardenberg reúne um elenco de peso para contar sua mais nova história sobre amor e reconciliação embalada por clássicos da música brega.

O cinema brasileiro parece ter encontrado na música uma nova fonte de inspiração inesgotável. Só em 2018 foram lançados “Todas as Canções de amor”, “Ana e Vitória” e este “Paraíso Perdido”, por exemplo. Sem contar com as diversas biografias de cantores ou bandas, documentários e até filmes baseados em letras de músicas. A nova incursão da diretora Monique Gardenberg (“Benjamim”) nos cinemas vem onze anos após o sucesso “Ó Paí, Ó” e traz de volta sua assinatura de produzir verdadeiros musicais que se aproveitam de marcos do cancioneiro brasileiro para contar sua história.

Uma boate embalada pelos clássicos do chamado gênero “brega”, abriga uma família cheia de segredos e histórias a serem contadas. Quem nos conduz através desse universo, que habita o Paraíso Perdido do título, é o policial Odair (Lee Taylor, de “Entre Nós”). Ele serve como o estrangeiro que passa a descobrir uma nova cultura junto ao público. Odair é atraído pela figura de Taylor (Seu Jorge, de “Soundtrack”) a conhecer a boate e acaba por se tornar o segurança particular de Imã (Jaloo, cantor em sua estreia nos cinemas), um artista alvo de ataques violentos por ser gay e se apresentar vestido como uma diva da música dos anos 1960.

Mais do que um trabalho ocasional, estar no clube se torna parte essencial da vida de Odair, criado por Nádia (Malu Galli, da novela “Totalmente Demais”), que foi a responsável por seu gosto pelas músicas de Odair José (de onde vem o seu nome) e Reginaldo Rossi. Desfilam pelo clube os filhos e netos de José (Erasmo Carlos, de “O Cavalinho Azul”), como Celeste (Júlia Konrad, da novela “Malhação”), Angelo (Júlio Andrade, de “Malasartes e o Duelo com a Morte”) e Eva (Emília Guedes, de “A Luneta do Tempo”), que esteve presa durante muitos anos. Os personagens atraem a curiosidade do policial, que passa a investigar essa família pouco convencional.

O fato de a história ter diversas subtramas tira a atenção do núcleo principal, que poderia ter sido melhor desenvolvido. O filme parece ser um seriado (ou novela) condensado para caber em duas horas de projeção. Contudo, as tramas que se desenrolam são suficientemente interessantes e bem apresentadas para prender a atenção.

O filme é um respiro de diversidade no mar de mesmice que vive sendo apresentado como cinema nacional. Há a Eva que foi obrigada a se ver longe do Paraíso Perdido, não por ter provado da fruta proibida, mas por ter assassinado o homem violento com o qual ela se relacionava. E existe a história de Imã, filho de Eva, cujo nome se relaciona com sua presença magnética no palco e é capaz de atrair olhares e desejos dos presentes no clube.

O filme consegue ser tão inclusivo que em seus melhores momentos coloca uma conversa em libras (a linguagem dos sinais) inserida em uma das apresentações de Imã, totalmente sincronizada com o seu número e que faz sentido no decorrer da história. Mas, infelizmente, os números musicais carregam por diversas vezes um ar de artificialidade em playbacks desajeitados, a exceção de Erasmo Carlos, que como ator não entrega uma grande performance, mas convence como o grande intérprete e compositor que é em cima dos palcos.

O trabalho do diretor de fotografia Pedro Farkas (“O Escaravelho do Diabo”) usa com qualidade as luzes neon do clube para situar os personagens em um clima específico e para ressaltar seus sentimentos através dos tons de vermelho e azul. O ambiente controlado e fechado permite a Farkas usar desse artifício durante boa parte do filme sem que as cores se tornem invasivas ou mal aplicadas.

O clube homônimo de “Paraíso Perdido” é um lugar onde aceitação pelo diferente não é algo difícil, no qual a sexualidade não está presa às imposições sociais e onde, por mais diferentes que sejam, os membros da família (um microcosmo da sociedade) se aceitam e buscam conviver em harmonia.

Hiago Leal
@rapadura

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