Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de dezembro de 2018

Meu Jantar com Hervé (2018): qual o preço do sucesso?

Biografia de Hervé Villechaize mostra as consequências do vício na fama e a importância da maturidade emocional.

A fama é algo desejado por muitos. Para alguns não apenas um sonho, mas um real objetivo de vida. A arte é o caminho mais procurado; requer habilidades, e aqueles que descobrem vocação para tal se aproveitam disso para crescer e alcançar o sucesso – ao ponto de embebedarem-se da popularidade e perder o rumo. “Meu Jantar com Hervé” mostra o preço a ser pago quando essa embriaguez rouba os sentidos e emoções, o vício faz a arte se confundir com sucesso, e o mistura com a vida, até ela não existir mais.

O filme trata-se de uma biografia e nos traz a derradeira entrevista, antes de cometer suicídio, de Hervé Villechaize, o primeiro ator anão a se tornar uma celebridade da cultura pop, roubando a cena no seriado dos anos 70 e 80 “A Ilha da Fantasia”. Hervé é interpretado por Peter Dinklage (“Vingadores: Guerra Infinita”), que faz bem seu papel. O sotaque francês, a princípio, pode parecer forçado, mas não é difícil se acostumar com o tempo.

Hervé Villechaize possui uma história comovente. Desde cedo sofreu por causa do nanismo, a começar pela recusa de sua mãe em aceitar a doença do filho, e acabou recebendo muito mais a atenção do pai. Começou a carreira de artista como pintor, mas logo desistiu com os obstáculos que encontrou, e apostou na vida em Nova York para crescer. O pontapé de seu sucesso foi o papel no filme “007 contra o Homem com a Pistola de Ouro”. Mas não era suficiente, Hervé estava decidido a enriquecer mais ainda. Então apareceu a proposta para participar do seriado “A Ilha da Fantasia”, onde fez seu nome e suas maiores complicações.

Mas antes mesmo de falar sobre Hervé, o início do longa nos mostra como vai trabalhar essa história que tanto tem a nos ensinar. As primeiras cenas mostram a vida do jornalista Danny Tate (Jamie Dornan, “Cinquenta Tons de Liberdade”), personagem fictício que substitui Sacha Gervasi, diretor e roteirista do filme e o entrevistador original de Hervé. Jamie entrega muito bem um jornalista que luta contra o alcoolismo e as consequências das escolhas erradas que destruíram sua vida. Aqui já vemos um belo contraste com a história do protagonista, que ao invés de lutar contra as consequências de seus atos, se entrega a elas.

Danny funciona muito bem como um contraponto de Hervé. Ao mesmo tempo em que aprendia a lidar com seus demônios, busca uma matéria para a capa do jornal onde trabalha, perde a oportunidade que tem e se vê obrigado a ceder à insistência do anão em contar sua história. Do outro lado, Villechaize o leva para um passeio caloroso. Ambos revivem suas histórias e lidam com as adversidades de maneiras opostas. Se um se perdeu em sua ganância, o outro aprendeu a aceitar o que a vida lhe oferecia.

Tudo não passava de uma tentativa do ator de fugir de sua realidade, e não acreditar que era incapaz de aceitá-la. “A Ilha da Fantasia” realizou todos os seus desejos e lhe rendeu fama, popularidade e dinheiro, mas a que preço? Foi exatamente ali também que Hervé teve um casamento fracassado, desavenças no set de filmagens e a arte se confundindo com a fama. Se tornou um viciado na fantasia de que algo ou alguém poderia tirar a dor de sua vida.

E durante o passeio vemos belas atuações de um ator fadado ao fracasso e um jornalista buscando o momento de virada em sua vida. É a história de Hervé que faz com que Danny se desenvolva, e encontre as respostas para suas questões. Se foi de fato assim que aconteceu com Sacha é uma dúvida, mas é inovador utilizar a ficção para contar uma biografia. Nada que seja surpreendente, vide o bom trabalho do diretor em “O Terminal”, e em “Meu Jantar com Hervé” ele mantém o alto nível.

Esse desejo ardente pela fama beira o amor erótico. C. S. Lewis diz que “se o Eros for honrado sem reservas e for obedecido incondicionalmente, se tornará um demônio”. Hervé Villechaize depositou todas as suas fichas na arte. Embriagado pela fama, o sucesso o cegou, e suas mãos, que deveriam dar vida à arte, agora estão sujas de tinta rubra.

João Victor Barros
@jotaerrebarros

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