Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 27 de novembro de 2018

Chacrinha – O Velho Guerreiro (2018): veio para confundir, não para explicar

A trajetória de Abelardo Barbosa como seu alter ego Chacrinha é contada num compilado de cenas sem elo central, mas com potencial divertido ao retratar episódios curiosos da vida do apresentador enquanto ajuda a escrever a história da comunicação brasileira.

“Ninguém tira o Chacrinha do ar!”. Assim diz Abelardo Barbosa sobre ele mesmo e outras tantas frases marcantes e de efeito em “Chacrinha – O Velho Guerreiro”. A vida do ilustre comunicador e apresentador de programas de televisão é condensada nas quase duas horas da cinebiografia dirigida por Andrucha Waddington (“Sob Pressão”). Dividida em dois momentos, o primeiro relata a chegada de Abelardo ao Rio de Janeiro, interpretado enquanto jovem por Eduardo Sterblitch (“O Homem Perfeito”), até a formação de sua persona em programas de rádio. Já na maior parte do filme, Stepan Nercessian (“Trash – A Esperança Vem do Lixo”) encarna o espírito do pernambucano com sua voz rouca, maneira de andar e trejeitos característicos.

O início da trajetória profissional de Chacrinha é defendido pelo charme de Sterblitch, que tenta construir com as duras falas que lhe são dadas o que seria o embrião da figura emblemática que hoje conhecemos. Ele mistura jargões nordestinos com um jeito malandro intrometido (como na sua colaboração anterior com Andrucha e Stepan em “Os Penetras”) e simplesmente decide que não volta para Pernambuco para se tornar radialista no Rio de Janeiro. A propósito, a “cidade maravilhosa” possui locações preservadas e utilizadas no filme para retratar a vida entre os anos 1940 e 1980 com autenticidade. Ao lado da ótima caracterização de Stepan, a direção de arte de “Chacrinha – O Velho Guerreiro” é a melhor razão para conferir o filme, pois cativa ao recriar épocas passadas nos figurinos e cenários de acordo com o imaginário e sem roubar atenção para si, compensando a falta de unidade na atuação do elenco.

Assim como há um rompimento visual na passagem de bastão de Sterblitch para Stepan, há também uma carência de liga no roteiro deste filme. Não se oferece um ângulo específico sobre a trajetória de Chacrinha que permita um arco transformativo de personagem ao longo da obra. É verdade que uma vida é composta por vários momentos distintos sem início e fim bem marcados, mas isso não ajuda a tornar uma cinebiografia mais interessante. Simples dramatizações de artigos da Wikipédia como são escritos não costumam render bom cinema. Dá para curtir o longa surfando a onda saudosista e observando o vai e vem das celebridades que cruzaram a vida de Chacrinha em referências históricas, porém, a obra por vezes ensaia fios de história e depois não entrega.

Por exemplo, o jovem Abelardo ao ser expulso de um cassino grita que “um dia ainda vai entrar pela porta da frente”, mas não vemos seu orgulho massageado quando ele alcança reconhecimento além de usar o nome pra ganhar pipocas grátis num cinema. Em outro exemplo, Chacrinha tem uma misteriosa mágoa com a mãe (Camila Amado, “Redemoinho”), que tenta se aproximar, mas não acontece o esperado perdão nem arrependimentos. Em mais um exemplo, o apresentador é acusado repetidamente pela esposa (Carla Ribas, “Aquarius”) por só trabalhar e não acompanhar o crescimento dos filhos, mas não há consequência alguma dessa ausência. A construção do seu relacionamento com Elke Maravilha (Gianne Albertoni, “Muita Calma Nessa Hora”) também passou longe do roteiro final. O espectador só deve aceitar e continuar, como o calouro que acabou de escutar a buzina dourada e precisa abandonar o palco para dar lugar a outro.

Restam para degustação as curiosidades em torno do comunicador que divertem principalmente quem acompanhou sua carreira enquanto vivo. O filme nos dá a origem do bordão “Terezinha!”, explica a distribuição de bacalhaus no programa e mostra o contexto da sua saída da Rede Globo e do posterior retorno à emissora. Também sobra espaço para explorar o episódio de quando foi preso pela Polícia Federal, as acusações de jabá oportunista e os rumores do relacionamento entre Chacrinha e Clara Nunes.

Independente se “Chacrinha – O Velho Guerreiro” é uma satisfatória biografia ou não, a carreira de Abelardo Barbosa acompanha a história da comunicação brasileira desde a transição do rádio para a TV até a ascensão da Rede Globo. Tal jornada é de interesse histórico, e o cuidado que o filme oferece para criar esse pano de fundo sozinho já vale o ingresso. Televisão sempre fascinou brasileiros, e esperamos que mais filmes como esse e “Bingo: O Rei das Manhãs” continuem a povoar os cinemas.

William Sousa
@williamsousa

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