Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de novembro de 2018

Com Amor, Van Gogh (2017): cinema como uma tela a óleo

Visuais belíssimos e uma técnica de animação histórica salvam um filme com pouco conteúdo.

Vincent Van Gogh tinha uma visão única e um estilo facilmente reconhecido. Foi autodidata e teve uma carreira encurtada pela sua morte, mas isso não o impediu de criar obras extraordinárias. Já foram produzidos filmes excelentes sobre sua vida e em sua homenagem, mas nenhum deles possuiu forma tão bela quanto “Com Amor, Van Gogh“. O longa foi todo rodado normalmente com atores reais, para posteriormente ter cada um dos frames pintados à mão por uma equipe de mais de 100 pintores. Isso resultou em mais de 65.000 pinturas, em aproximadamente 850 telas. Foi um processo que durou seis anos, apenas dois a menos do que toda a carreira de Van Gogh. Essa técnica criou um estilo visual deslumbrante. Cada cena é como uma pintura viva do artista, sendo muitas delas inspiradas em obras reais dele.

A história se passa pouco mais de um ano após a morte de Van Gogh e acompanha Armand Roulin (Douglas Booth, “O Destino de Júpiter”), filho de um amigo seu na missão de entregar sua última carta a Theo, irmão do pintor. Ao se deparar com as estranhas circunstâncias de seu suicídio, ele decide investigar a morte por conta própria. Cruza com pessoas que conviviam com Vincent, como seu médico, o Doutor Gachet (Jerome Flynn, da série “Game of Thrones”), assim como a filha dele e aparente interesse amoroso de Vincent, Marguerite Gachet (Saoirse Ronan, “Lady Bird”).

O filme toma a escolha de não mostrar Van Gogh diretamente, tentando biografá-lo apenas através da visão que as pessoas que o cercavam tinham dele. O pintor aparece por meio de flashbacks, mas tem pouquíssimas falas, e tais cenas não são pintadas no mesmo estilo que o restante da obra. São realizadas em desenhos mais simples, em um preto e branco significativamente menos estonteante. Esses fatores cercam Vincent de uma aura misteriosa, e mesmo após a conclusão da narrativa, não temos certeza de quem era, de fato, aquele homem.

A exclusão do personagem que tem seu nome no título da obra talvez tenha sido fundamental em seu maior defeito. Sem Vincent, o filme tem o visual como seu único pilar de sustentação. A narrativa sozinha não é interessante o suficiente para segurar o espectador. O roteiro prefere apenas passar rapidamente por momentos importantes da vida do artista, retratando-os de maneira breve através dos flashbacks. E mesmo nas investigações de Roulin, o melhor é deixado de lado, assim como a personagem da sempre encantadora Saoirse Ronan, que poderia ter sido bem mais aproveitada.

Apesar disso, o saldo de “Com Amor, Van Gogh” ainda é bastante positivo. É possível se perder nas paisagens do filme e apreciar os traços melancólicos que marcaram as obras do pintor. A obra funciona exclusivamente por conta de sua técnica de animação, e isso torna ela uma grande carta de amor à Vincent, mesmo que ele não esteja muito presente nela.

Peter Frontini
@peterfrontini

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