Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de novembro de 2018

Excelentíssimos (2018): um chocante relato sobre os bastidores do impeachment de Dilma Rousseff

O documentário flagra um capítulo constrangedor da história brasileira ao mostrar um circo de articulações contra e a favor da ex-presidente.

Brasília, 2016. Uma câmera oscilante acompanha uma manifestação em frente ao Palácio do Planalto. Ela ainda está longe para capturar a personalidade que atrai tantos flashes e flores, mas ao som de uma trilha sombria pouco a pouco a pessoa se aproxima. É Dilma Rousseff, então presidente do Brasil, só que não por mais muito tempo. “Excelentíssimos” acompanha de dentro do Congresso Nacional o processo que levou ao impeachment da primeira mulher eleita dirigente do país. Como sucessor espiritual de “Jango” de Silvio Tendler, o documentário tenta explicar como, quando e por que se derruba um presidente.

Pelo plano original, Douglas Duarte (“Personal Che”) deveria se instalar na capital com sua equipe para documentar o dia a dia dos parlamentares e montar um retrato cinematográfico do Congresso, mas o projeto foi replanejado tão logo a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment contra Dilma. No documentário, o diretor registra as articulações dos deputados federais buscando a imparcialidade do cinema direto (também conhecido como “cinema-verdade”), porém, não resiste em incluir trilha, narração e entrevistas à obra para ressaltar sua visão sobre os eventos testemunhados. Julgamentos à parte sobre se a representante do Partido dos Trabalhadores merecia ou não a cassação, é difícil se manter neutro em relação às bravatas dos integrantes da oposição.

Para efeito didático, o filme se divide em capítulos e começa dois anos antes pelo rescaldo das eleições presidenciais de 2014 e início da Operação Lava Jato da Polícia Federal. O PT de Dilma havia acabado de ganhar do PSDB de Aécio Neves por somente 3% de diferença nos votos. Políticos insatisfeitos com o resultado das urnas buscavam alternativas legais para tirar o PT do poder e a ideia de impeachment como “bomba atômica” é plantada. Ao descrever a questionável rota da aprovação do pedido pela cassação de Dilma no Congresso, o diretor de “Excelentíssimos” deixa escapar sua posição ao ironizar, por exemplo, o temperamento explosivo da autora, Janaina Paschoal, e o fato de que a solicitação foi deferida pelo em breve condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Eduardo Cunha. O então PMDB do vice de Dilma, Michel Temer, se inclina ao PSDB para fortalecer a voz de oposição e a célebre frase “não vai ter golpe” aterrissa em Brasília.

Buscando equilíbrio, Duarte também alfineta o PT pelo teor das famosas conversas vazadas entre Dilma e o ex-presidente Lula. Enquanto ela buscava o apoio do companheiro de partido para tentar frear a conspiração em andamento no legislativo, ele parecia mais preocupado com a “República de Curitiba” do juiz Sérgio Moro que o investigava por corrupção passiva. Convenientemente para todos, a posse de Lula como ministro da Casa Civil com direito a foro privilegiado é arranjada, e os áudios das conversas são publicados inflamando a opinião pública e a resposta de ativistas. Numa espécie de premonição do futuro, Lula se despede de Dilma por telefone: “Tchau, querida”.

Uma vez resolvida a necessidade de explicar o contexto, Duarte abandona o design dos capítulos e revela a razão pela qual “Excelentíssimos” existe. Sua câmera testemunha momentos dos parlamentares que as câmeras de TV não capturam. Acompanhamos deputados bradando hinos antipetistas pelos corredores exatamente como torcedores de futebol fariam num estádio. Vemos como os discursos de defesa são ignorados e até mesmo calados na Câmara. Presenciamos um culto íntimo da bancada evangélica e como deputados usam uma CPI para desmoralizar, humilhar e ameaçar com brutalidade um líder trabalhista acusado de incitar violência num discurso a favor de Dilma.

Em meio ao furdunço da movimentação pró-impeachment, observamos o então deputado Jair Bolsonaro lançar pré-candidatura à presidência e outros dois personagens se destacarem no intrigante relato documental: o deputado aliado ao PT Silvio Costa, e o opositor Carlos Marun. O primeiro dizia acreditar cegamente que as chances de impeachment eram as mesmas dele se casar com a filha do presidente dos EUA. O segundo assumia sem pejo que o processo tinha caráter político, e que seriam a favor da cassação mesmo se Dilma só tivesse roubado um picolé.

Como paladinos da moral armados com canhões de confetes, os deputados votam na inacreditável sessão definitiva entre “sins” e “nãos” pela família, por coronéis torturadores e pelo Brasil. Na dividida Esplanada dos Ministérios, enquanto metade do povo chorava incrédula, a outra metade satisfeita cantava o hino nacional. “Excelentíssimos” mantém centralidade e emociona, não pelo resultado político, mas pelo retrato histórico que serve ao país.

William Sousa
@williamsousa

Compartilhe

Saiba mais sobre