Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 07 de novembro de 2018

Alfa (2018): muita beleza e pouca história

A aventura se inspira em vários filmes sobre sobrevivência e tenta criar um grande espetáculo visual. Porém, apenas belas imagens não tornam o filme um sucesso.

A emoção da experiência cinematográfica é proporcionada também pelo estilo visual dado ao filme por seus realizadores. Entretanto, concentrar-se na estética e deixar de lado o desenvolvimento do enredo e de seus personagens é um equívoco sério para o prazer artístico completo. É isso que acontece com “Alfa“, aventura dirigida por Albert Hughes (“O Livro de Eli“).

O filme acompanha a trajetória do jovem Keda (Kodi Smit-McPhee, de “X-Men: Apocalipse”), um caçador na Era do Gelo, há 20.000 anos. Ele acaba ferido em uma caçada e abandonado por seus companheiros de tribo, que o julgaram morto. Após acordar, encontra-se com um lobo, abandonado por seu bando, e os dois tentam sobreviver juntos. A narrativa, basicamente, bebe da fonte da clássica aventura de Mogli e acrescenta também influências de “O Regresso“: estão lá os desafios da convivência entre duas espécies diferentes e a luta pela sobrevivência em um local inóspito e adverso (marcado por intensas variações climáticas, riscos de ataques de predadores e carência de recursos de proteção e alimentação).

Nos primeiros minutos do longa, o roteiro desenvolve a instável relação entre Keda e seu pai Tau (Jóhannes Haukur Jóhannesson, de “Atômica“). O pai tenta ensinar ao filho como ser um líder guerreiro que possa prover e proteger a tribo onde vivem; contudo, Keda não é o homem de bravura e destreza imaginado por Tau, e se vê atormentado pelo temor de não dar orgulho ao pai (a mãe se refere ao filho com a frase “ele não lidera com a lança, ele lidera com o coração”). Os instantes iniciais também apresentam o modo de vida dos caçadores, sua relação especial com a natureza, a crença em espíritos ancestrais e a preocupação com a coletividade da tribo.

A partir do momento em que o protagonista se separa dos outros caçadores e passa a conviver com o lobo, as oscilações do filme se tornam mais significativas. Por um lado, a interação entre Keda e o animal é sensível a ponto de emocionar (especialmente nos momentos de humor ou de sacrifício), e as semelhanças entre eles se tornam flagrantes – como o fato de terem sido abandonados e não conseguirem ocupar a posição esperada em seus respectivos grupos). Entretanto, o arco de amadurecimento de Keda e as situações de perigo não trazem nada de novo em comparação a outras obras no mesmo estilo, o que evidencia uma temática e abordagem genéricas, assim como os diálogos e as frases clichês desgastam a jornada dramática (por exemplo, a frase “o mundo é para os fortes” dita por Tau).

Entre os pontos positivos, está também a atuação de Smith-McPhee. Trata-se de um desafio contracenar, em boa parte, com um lobo criado por computação, ou trabalhar em longas sequências de pouquíssimos diálogos e que exigem grande esforço físico. O ator entrega um desempenho seguro e consistente, capaz de convencer nas sequências dramáticas – especialmente na construção gradual da amizade com o lobo -, e de ação, exemplificadas pelos ataques de outros animais ou pelos esforços para superar as adversidades climáticas e geográficas. O arco do protagonista, relacionado ao seu pai e às suas obrigações para a tribo, carece de desenvolvimento em função das lacunas do roteiro, e não de falhas do ator.

O visual do filme é o ponto mais regular da narrativa, aspecto que aparenta ter recebido grande atenção do cineasta Albert Hughes. Ele preenche a obra de planos aéreos, abertos e transições de cena sem cortes abruptos, que valorizam a beleza e a grandiosidade dos cenários. São montanhas, mares, florestas e outras paisagens naturais destacadas não apenas por seu encanto, mas também pelos seus vínculos com os personagens. Um pecado nesse quesito, entretanto, ainda pode ser percebido: há um exagero no chroma key e na artificialidade dos efeitos digitais. A composição estética deve muito também ao uso das luzes naturais das locações (durante o pôr do sol, o auge dos raios solares, a escuridão da noite e os períodos de nevasca) para imprimir tons diferentes de iluminação, dependendo da estação do ano.

Colocando na balança os erros e acertos de “Alfa”, uma conclusão se manifesta ao término da projeção: todo bom filme precisa equilibrar bem suas características estéticas e a história que pretende contar. Quando um desses aspectos é supervalorizado e o outro marginalizado, o resultado final, ao menos, não empolga plenamente. Essa aventura pode ser deslumbrante visualmente, mas a mensagem e seus personagens não acompanham tamanha beleza.

 

Ygor Pires
@YgorPiresM

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