Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de agosto de 2018

Megatubarão (2018): um mar de incoerências

Sem saber para que lado seguir, o filme se perde num oceano de ideias mal elaboradas. Salva-se uma ou outra cena visualmente bem construída, o que é nada para um longa de tamanha proporção, que pouco consegue fazer para não ser superficial.

Quando Steven Spielberg lançou seu icônico “Tubarão”, em 1975,  a proposta era mostrar uma criatura marinha voraz que seria uma ameaça para os humanos. Ele não precisava ser gigante, afinal o tamanho da criatura não está, necessariamente, relacionado ao seu poder de destruição. O diretor sabia disso e, mais importante, sabia que o mais importante era contar uma história simples de um jeito plausível. O resultado é um filme que faz com que o público aceite qualquer exagero em tela, caso seja preciso dele em algum momento.

Tal capacidade de dialogar com quem está assistindo um filme como o de Spielberg é parte fundamental da experiência com o cinema – seja como realizador ou como público, e é o que falta a “Megatubarão”. Ao menos em parte, uma vez que o filme mira o mercado chinês e não tenta esconder tal ambição. A trama apresenta um grupo de pesquisadores que decide investigar o que há abaixo da camada mais profunda do oceano. Ao voltar à superfície, trazem com eles um Megalodonte que irá caçar tudo o que encontrar pelo caminho.

Parece haver um fascínio do cinema envolvendo o fundo do mar. Como se o ambiente fosse próximo do sagrado, nunca podendo ser motivo de piadas. E Jon Turteltaub (“Última Viagem a Vegas”) não demonstra interesse em subverter essa concepção. Seu filme se leva a sério demais para as situações absurdas que cria e nesse sentido, o terceiro ato é exaustivamente improvável. Algo que seria facilmente resolvido com um tom menos rigoroso.

Outro elemento levado a sério demais são as personagens. Começando por Jonas Taylor (Jason Statham de “Velozes e Furiosos 8”), que é o clichê do herói assombrado pelo passado e que deve reviver seus traumas. Statham é colocado em situações absurdas, compatíveis com a escala do filme – ou as escalas, pois o mega tubarão sempre tem o tamanho que lhe é conveniente. O filme se perde quando procura tratar tudo com uma seriedade que clama por ser deixada de lado. Isso não torna o filme essencialmente ruim, mas cria uma incoerência entre o tom do que é mostrado e as suas consequências.

Soma-se a isso os terríveis momentos de alívio cômico, com frases de efeito e piadas sem timing cômico. Tudo para deixar o filme menos sisudo, o que, mais uma vez, poderia funcionar caso a proposta fosse esta. Mas o longa dialoga com momentos promissores de terror subaquático nos primeiros minutos. A tensão é bem construída, existem elementos narrativos para justificar algumas decisões e tudo se completa com uma fotografia claustrofóbica que tenta abrir o campo de visão sempre próximo aos atores (sobretudo dentro dos submarinos), causando uma sensação de aperto. E quando a tensão se aproxima de algum ápice, as piadas tentam quebrar o sentimento pesado.

É a partir deste momento que o longa se deixa levar para algo próximo de uma comédia sem graça ou de um filme de ação fraco. Ambas as tentativas entram em conflito, cabendo a Statham se valer de seu histórico em thrillers frenéticos. Enquanto isso há uma tentativa de estabelecer um vilão humano, que se guia pelo dinheiro (em outra construção de clichês) e se mostra pior que o tubarão gigantesco.

O resultado dessa mistura é algo que parece ter sido dirigido por um produtor, cabendo à direção tentar realizar todos os desejos de alguém que não entende do assunto. Talvez isso se aproxime do atual interesse por cinema blockbuster na China, uma vez que não faltam referências ao gigante asiático – das relações políticas atuais a uma praia repleta de coadjuvantes chineses.

Com tudo isso “Megatubarão” é um desses filmes que chegam para fazer muito dinheiro sem ter algo para oferecer de fato. Ele tenta entregar diversos longas numa obra apenas. As atuações são incômodas (sempre fica o sentimento de que os atores estão lendo um texto e não atuando) assim como o carisma das personagens (e pensar que em “Tubarão”, até o vilão do filme tinha seu próprio carisma). Tudo isso resulta numa obra que tenta entregar muitas coisas sem ser efetiva. Faltou alguém avisar que bons filmes demandam coerência.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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