Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 28 de novembro de 2017

A História Real de um Assassino Falso (2017): o maior crime é ser chato

Todo entretenimento precisa, em última análise, divertir e envolver sua audiência. "A História Real de um Assassino Falso", com uma trama convoluta e confusa, falha nesse objetivo tão básico.

O entretenimento não precisa, por definição, fazer mais do que nos entreter. Qualquer conteúdo, reflexão ou desenvolvimentos a partir daí são derivados de um propósito além definido por seus realizadores na busca de expressar suas visões de mundo em forma de arte. Assim, quando analisamos uma obra no seu valor como peça de divertimento, o maior erro no qual ela pode incidir é não ser interessante. “A História Real de um Assassino Falso”, filme original Netflix, comete o crime capital do entretenimento: apesar de seus esforços, é, em uma palavra, chato.

Na trama, Kevin James (“Pixels“) interpreta Sam Larson, um escritor amador que divide sua vida entre um trabalho de escritório insosso e seus esforços literários. Com pesquisas profundas sobre atividades de espionagem, indo desde prática de artes marciais até treino com armas de fogo, Larson termina um livro de memórias ficcionais que, erroneamente, é publicado como se fosse autobiográfico. A partir daí, a vida do escritor vira de ponta cabeça quando ele é confundido com um espião real chamado “Fantasma” e posto em uma missão muito fora de sua alçada.

Por esse resumo já fica bem claro quais são os principais problemas do longa e o primeiro deles é sua premissa absurda. O filme tenta nos convencer a todo momento que, agentes internacionais envolvidos em uma tramoia política, acreditaram que ele era de fato o Fantasma e, como se isso não fosse estranho o suficiente, tenta vender a ideia de que um escritor poderia, somente com pesquisas, ter uma efetividade real como espião em campo.

Outras complicações são derivadas destes conceitos risíveis. Um deles, o mais corriqueiro no filme, é o que coloca a agente Rosa Bolivar (Zulay Henao, “O Albergue 3“) – uma pessoa treinada e com experiência em sua função – muitas vezes demonstrando saber menos sobre a sua ocupação do que o próprio escritor. Além disso, é necessário partir do pressuposto de que todos os personagens que Sam encontra ao longo de suas missões são incapazes de distinguir expressões faciais ou o tom de voz de alguém amedrontado e perdido, sem falar que Larson, nas suas fugas e lutas, tem um nível de sorte inacreditável, mesmo para filmes com premissas semelhantes.

Se a suspensão de descrença é forçada a níveis internacionais, cabe a Kevin James segurar a situação com toda a força do seu carisma – que já se provou diversas vezes mais potente do que se achava possível em filmes como “Segurança de Shopping” e sua inacreditável continuação. James até tenta carregar o filme com sua simpatia usual, mas esbarra no fato de que o seu personagem é inconstante e inocente em vários momentos, enquanto em outros parece estar confiante demais e no controle da situação. Desta forma, é difícil comprar as enrascadas que Sam Larson se mete e, sem sabermos a extensão real de suas habilidades e personalidade, torna-se inviável importar-se com os problemas que ele enfrenta.

O longa não é totalmente descartável. O começo é promissor, experimentando com a narrativa e subvertendo expectativas de uma maneira divertida, embora isso logo seja posto de lado em prol da sua história principal. O elenco de apoio também busca acrescentar validade ao roteiro. Além dos esforços suficientes de Henao como a agente Bolivar, também destaca-se Andy Garcia (“Tempestade: Planeta em Fúria“), uma presença agradável que infelizmente não fica em tela tempo o suficiente para tornar o filme melhor.

Como entretenimento, “A História Real de um Assassino Falso”, além de um título exaustivamente longo, também carrega a vantagem de não precisar ser sério ou muito coerente, só necessitando divertir seu público durante os 98 minutos de duração, algo que ele não faz a contento. Assim, somos levados ao principal problema deste longa da Netflix: ele é desinteressante. Os personagens, com a exceção do “El Toro” de Garcia, são apáticos e inexpressivos; o diferencial visual do filme torna-se uma muleta irritante ainda no segundo ato, e a trama principal convulsiona em espasmos de complexidade de um filme que não decide se quer ser comédia ou ação, e termina por não ser bom sob nenhuma das duas lentes. Em suma, esta peça de entretenimento, inadvertidamente, passa a ajudar pessoas que sofrem de insônia. Preso na intersecção entre dois gêneros e falhando em ambos, o longa é frustrado em seus propósitos, sendo uma escolha recomendada para aviões ou outros ambientes do qual não se possa levantar e sair, apresentando-se como um passatempo abaixo da média. Provavelmente soando mais falso do que gostaria, Sam Larson e seu longa são assassinos insuficientes quando o intuito é matar tempo.

Erik Avilez
@eriksemc_

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