Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 21 de novembro de 2017

Boneco de Neve (2017): Frosty em um suspense policial

Roteiro e direção caminham juntos: salvo por um final apressado cuja solução é pouco satisfatória, o suspense é ótimo.

Frosty the Snowman was a jolly happy soul” (em tradução livre, “Frosty, o boneco de neve era uma alma alegre e feliz”), diz a clássica canção natalina. Em “Boneco de Neve”, porém, Frosty não representaria sentimentos positivos. Não em um suspense policial.

O filme é baseado no livro homônimo de Jo NesbØ, tendo como protagonista o detetive Harry Hole (Michael Fassbender, de “Assassin’s Creed”), responsável por encontrar um serial killer que inicia seus crimes sequestrando mulheres. Sua marca registrada é deixar um boneco de neve no local do crime.

Em princípio, é, como mencionado, um suspense policial comum: jogo de gato e rato, com um herói despedaçado por algum motivo, um psicopata com um passado sombrio, alguma espécie de elo entre eles (com maior ou menor proximidade, real ou virtual, pretérito ou futuro, a depender da opção do roteiro) e vítimas da relação entre os dois (ineficácia de um e eficácia do outro). Está tudo lá. Harry é um bêbado negligente com o trabalho, tendo como interesses solucionar novos casos (o que é difícil em uma cidade com baixa criminalidade como Oslo) e assumir uma posição paterna perante o filho da ex-namorada – nesse caso, apesar da vontade, o êxito é minúsculo. Em síntese, um protagonista distante da perfeição, como deve ser. Fassbender faz um bom trabalho e a parceria com Rebecca Ferguson (“Vida”) dá muito certo.

Do ponto de vista estrutural, embora o molde seja deveras básico, o enigma a ser resolvido é engenhoso e – o que é essencial – a narrativa é extremamente bem desenvolvida. Há uma caminhada em uma direção, dentro do óbvio, em busca de pistas, todavia, em determinado momento, um plot twist faz com que Harry verticalize em um subplot, evidentemente conectado à trama nuclear, trazendo mais pistas. Quando tudo se junta, o suspense se torna ainda mais instigante. E o melhor: o texto não omite questões periféricas, como o relacionamento do protagonista com o adolescente que ele trata como se fosse filho.

Sem dúvida, é um roteiro muito bem elaborado, salvo pelo final apressado e com uma solução pouco satisfatória. Idêntico resultado é o que se vê na direção de Tomas Alfredson (“O Espião que Sabia Demais”), em seu terceiro longa-metragem (e aparentemente em ascensão): a atmosfera de suspense é irrepreensível, contando até mesmo com uma cena tensa que ilude o espectador, contudo, a ação do final é muito mal filmada e confusa. Isto é, o diretor vai muito bem no suspense, lida com maestria com a expectativa, mas não soube criar momentos agitados.

Ironicamente, a parte mais difícil da direção é a da manipulação do espectador. Isso fica visível em um sugestivo toque de celular ou em um impactante (ainda que inicialmente nebuloso) prólogo – que se fazem presentes, mas não são novidades na sétima arte. Quando Harry olha a pasta confidencial na bolsa de Katrine (Ferguson), a maioria dos cineastas iria recorrer para a montagem (cortes). Alfredson, porém, opta por direcionar a câmera e zoom in: isso sim é um detalhe que sugere que ele é diferenciado.

Importante observar que há algumas cenas desnecessárias (Fassbender de cueca jogando um objeto pela janela), porém, no geral, os acertos preponderam massivamente. Merece menção, ainda, o visual gélido, coerente com uma Noruega onde há um serial killer à espreita: muita neve, cenários com objetos inanimados (estátuas, muros, carros etc.), figurantes filmados fora de foco, distantes e/ou sem aparecer por inteiro (sugerindo frieza e impessoalidade) e uso preponderante de cores dessaturadas.

Frosty fica sorrindo, olhando para o lar, observando a vítima escolhida. É uma simbologia de que um ataque está prestes a acontecer. A perfeita representação do ótimo suspense que é “Boneco de Neve”.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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