Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Liga da Justiça (2017): a esperança que a DC precisava para o cinema

Sem correr riscos, a Warner entrega um filme com uma clara mudança de tom, mas sem perder a identidade. O que se percebe é que o estúdio procura dialogar com um público maior, abrindo mão da seriedade e investindo em elementos mais leves e, por vezes, cômicos.

É possível que estejamos cada vez mais próximos do esgotamento dos filmes de super-heróis. O que, vale lembrar, não quer dizer que estejamos próximos da extinção dessa temática. O que realmente pode acontecer é uma necessidade maior de alternar a forma como tais filmes são concebidos e produzidos. A 20th Century Fox parece já ter percebido isso enquanto a Marvel tem maior relutância em se permitir criar variações. A Warner Bros. ainda precisa se consolidar, mas deu um ótimo passo nessa direção com “Liga da Justiça”.

Na trama do filme, Diana Prince (Gal Gadot) e Bruce Wayne (Ben Affleck), ao perceberem que um um perigo sem precedentes ameaça destruir a humanidade, precisam recrutar outros super-heróis para dar fim aos planos do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds). Sem o Superman (Henry Cavill) para ajudar, eles irão contar com o apoio de Flash (Ezra Miller), Aquaman (Jason Momoa) e Ciborgue (Ray Fisher), para tentar salvar o planeta.

A cena de abertura do filme mostra uma gravação com o Superman feita por celular, antes dos eventos de “Batman vs Superman”. Filmada por duas crianças, o diálogo deixa bem claro qual o caminho que o filme irá seguir. Esse filme trata, essencialmente, de esperança. Ou a busca por uma esperança perdida. Nesse sentido, o longa se aproxima muito de “Mulher-Maravilha”, o que já indica uma sintonia entre os filmes da DC (ao menos na abordagem).

A ideia de introduzir três novos heróis (Flash, Aquaman e Ciborgue) sobrecarrega um pouco o filme. É necessário criar um vínculo com o público, definir suas personalidades e construir uma história própria para cada um deles. Tudo isso acontece de forma natural, mas toma tempo de outras construções, como é o caso do vilão.

O Lobo da Estepe simplesmente cai do céu e começa a pôr em prática seu plano. A explicação de sua motivação é contada posteriormente, mas sem permitir um desenvolvimento. Em resumo, ele é mal e quer as caixas maternas para conseguir destruir a humanidade. Um velho clichê de histórias de super-heróis que não chega a incomodar, mas como tudo é muito repentino, perde-se a noção de perigo que ele deveria passar.

Há também uma pressa com a apresentação e explicação das caixas maternas. Elas existem, são poderosas e podem ser usadas para o bem ou o mal. Mas como elas funcionam ou de onde vieram, são informações que passam batidas. Aos que desconhecem o conceito, cabe apenas aceitar a explicação simplificada, uma vez que o filme depende delas para seguir em frente. Porém a forma repentina como o perigo de tamanha magnitude passa a ameaçar a Terra parece mais uma solução preguiçosa de roteiro.

Dos novos heróis, Flash é quem se destaca. O jeito “meio sem jeito” de Barry Allen funciona em quase todas as cenas, inclusive durante algumas lutas. Ezra Miller consegue ser cômico nos momentos certos, demonstra bem a ansiedade por estar enfrentando algo novo e realmente perigoso e tem um bom momento dramático com seu pai. Já o Aquaman soa sempre deslocado, mas de forma intencional e positiva. Ele não quer pertencer a este mundo, mas se vê obrigado a fazer parte da Liga. Sua entrada no grupo é um pouco forçada, entretanto dessa vez os roteiristas conseguiram deixar quase tudo com uma boa justificativa.

Por fim temos o estreante Ray Fisher como um perturbado Ciborgue. Sua criação já havia sido apresentada em “Batman vs Superman”, o que possibilita ao filme focar nas consequências dela. É de longe o personagem mais tenso e com o maior drama pessoal. Por compreender as caixas maternas melhor que os demais (afinal é uma criação delas), é o que parece ter maior compreensão da magnitude da situação.

Aos demais, velhos conhecidos do público, quem mais mudou foi Bruce Wayne. Ele continua com uma atmosfera mais pesada, todavia houve uma tentativa de criar um alívio cômico com ele que funciona em alguns momentos mesmo que soe forçado quando ele se utiliza de alguma frase de efeito. Mulher-Maravilha segue como um símbolo de esperança, principalmente após a morte do Superman. Ela também é quem consegue manter a unidade dentro do grupo. Quanto ao Superman, sua volta é bem justificada e Henry Cavill consegue criar o tom mais leve que o personagem pedia.

O filme consegue ter uma identidade e isso cabe ao diretor Zack Snyder (“Batman vs Superman”), que consegue definir bem o seu estilo, mesmo não entregando algo tão sério e pesado como os anteriores. As tradicionais cenas em câmera lenta são visualmente agradáveis, possibilitando melhor compreensão nas cenas de luta. Elas são essencialmente utilizadas com o Flash para dar noção do seu poder. Quanto ao Joss Whedon (“Vingadores: Era de Ultron”), que foi o responsável pelas refilmagens e finalização do longa, é possível perceber as cenas com seu estilo de direção, mas não há grandes alterações, além, principalmente, de uma mudança na fotografia do filme.

“Liga da Justiça” entrega ainda boas cenas de ação. Três maiores e algumas mais discretas que cumprem sua função. O que incomoda em todas elas (e que de longe é o principal problema do filme) é o uso excessivo de CGI; além de fraco chama mais atenção do que o filme em si. Isso se destaca no terceiro ato, durante a batalha final. Com a intenção de tirar o conflito de uma região com muitas pessoas, a cena acontece numa pequena cidade do leste europeu. Mas tudo soa estranhamente falso, algo que se intensifica com o filtro avermelhado usado para filmar as cenas. Além do mais, a conclusão é fraca, e a forma como o vilão é derrotada é um pouco forçada, sendo sua saída do filme tão repentina quanto a sua chegada.

Ainda há um longo caminho de consolidação para a DC nos cinemas, caso o objetivo seja construir um universo integrado. “Liga da Justiça” pode ser claramente o caminho para isso. O filme deixa aberta condições para o recrutamento de novos heróis, além de indicar o caminho que alguns dos protagonistas possam seguir. O tom mais leve não significa um rompimento com o estilo mais sério – ainda estamos vendo um filme da DC – porém as consequências se tornaram menos sérias.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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