Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O Matador (2017): faroeste inconsistente na terra do cangaço

A Netflix acerta na ambientação, mas peca na qualidade narrativa, entregando um faroeste com uma bela fotografia mas um roteiro preguiçoso.

Os filmes de faroeste (ou western se preferir) são tradicionalmente conhecidos por apresentar a figura mítica do herói americano: o cowboy. Desbravador das terras selvagens e normalmente visto como o anti-herói necessário para um local ainda sem lei, o cowboy costuma ser a pessoa responsável por resolver os problemas que não cabem mais à sociedade fraca e corrupta. O primeiro longa metragem brasileiro da Netflix utiliza superficialmente esse conceito inserido no sertão nordestino, lá pelos idos do cangaço.

Em “O Matador”, filme dirigido e roteirizado por Marcelo Galvão (“A Despedida”), acompanhamos a história de Cabeleira (Diogo Morgado, “Malapata”), que quando bebê foi encontrado e salvo pelo cangaceiro Sete Orelhas (Deto Montenegro, “A Despedida”). Ainda jovem, Cabeleira vê Sete Orelhas partir e não retornar mais. Ao sair para procurar o cangaceiro, o jovem pistoleiro se depara com a excêntrica figura de Monsieur Blanchard (Etienne Chicot de “Os Meninos Que Enganavam Nazistas”); um francês dono das cercanias e sem escrúpulos.

Inspirado na obra “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, o filme tem uma belíssima ambientação, que se aproxima dos clássicos faroestes. Seja no sertão nordestino – extremamente seco – seja nas cidades do interior, com uma arquitetura particularmente modesta e dona de população que parece já ter se acostumado com a violência. Mas a inspiração parece ter ficado mais na ambientação do que na narrativa, uma vez que, ao contrário do livro de Guimarães Rosa, o problema deste filme está justamente no roteiro.

A começar pelo estilo utilizado para apresentar a história. Ela é contada por Antônio (Allan Lima) que em diversos momentos entra com narrações em off responsáveis por adicionar nada à trama além de explicar exatamente o que está sendo mostrado na tela. Ainda pior é quando a narração explica interpretações que caberia ao público perceber. Assim, o método utilizado para contar a história, além de preguiçoso, pois simplifica tudo para a direção que não precisa criar os contextos para que a trama faça sentido, trata o público de forma infantil, como se quem assiste não conseguisse perceber aquilo em tela.

O roteiro também peca ao criar diálogos pouco encaixados com a realidade e o contexto que o filme tenta entregar. O sotaque é discreto e palavras típicas do nordestino são deixadas de lado. Se por um lado, fica fácil para qualquer pessoa entender o que está sendo dito, perde-se na ambientação, visto que o mesmo diálogo poderia ser usado, com praticamente nenhuma mudança, em outras regiões do Brasil.

Como destaque cabe ressaltar a bela fotografia. Ela utiliza uma paleta constante e levemente dessaturada nas cenas de Cabeleira no sertão a fim de reforçar a ideia da poeira sempre constante e do ambiente árido. Já nas cenas com Monsieur Blanchard, as cores são um pouco mais vivas, combinando muito bem com a extravagância do personagem.

Os atores também se saem bem, no geral. Numa terra sem leis, as reações não parecem exageradas quando alguém atira. E tanto Diogo Morgado quanto Etienne Chicot entregam personagens consistentes, mesmo ainda caricatos. O primeiro como um pistoleiro selvagem; nem herói, vilão ou anti-herói, Cabeleira é uma consequência do ambiente onde cresceu. E se ora o público torce por ele, ora sente revolta é porque o ator consegue ir de um ponto ao outro dessa inconsistência moral que o personagem pede. Já Chicot cai perfeitamente bem como um magnata que manda executar qualquer um que se oponha a ele. Não há oscilações no caráter do francês, apenas atitudes típicas de alguém muito rico naquela época, mas falta a coragem necessária para resolver as situações, a não ser quando corre forte risco de morte.

“O Matador” é apenas a primeira experiência nacional em longa metragem feita pela Netflix, mas já mostra um conceito extremamente interessante e que mereceria uma dedicação maior. A estrutura narrativa do filme é fraca e revoltante em determinados momentos. Resta ao público relevar o problema e apreciar o cenário e os personagens de um faroeste tão próximo e distante de nós ao mesmo tempo.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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