Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca (2017): revisitando o caso Watergate

Enquanto produção cinematográfica, o longa é deficiente em diversos aspectos. Entretanto, rever esse episódio histórico motiva a reflexão sobre corrupção.

Washington, 1972: cinco indivíduos, aparentemente ladrões, são presos por invadir o edifício Watergate. Investigações mostraram que os invasores eram ligados ao FBI e à CIA, tendo sido flagrados com material para instalar escutas no local, que era nada menos que o QG democrata. A suspeita era de uma espionagem política, tratando-se de véspera de eleição. Ainda assim, o republicano Richard Nixon foi reeleito, com larga vantagem. “Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca” conta um pouco dessa história, conhecida como “escândalo/caso Watergate”, a partir do ponto de vista de uma personagem que foi imprescindível para seu desfecho.

Após trinta anos de dedicação inigualável, o Vice-Diretor do FBI Mark Felt (Liam Neeson, de “Silêncio”) era o nome mais provável para conduzir o órgão após a morte do Diretor J. Edgar Hoover. Contudo, a escolha da Casa Branca foi Pat Gray (Marton Csokas, de “Noé”), que nunca havia trabalhado lá. Incomodado com a crescente intromissão da Presidência no instituto, Felt desobedece ordens expressas, investiga o caso Watergate e se torna o principal informante da imprensa, apelidado de Deep Throat (“Garganta Profunda”).

Sem dúvida, o argumento do longa é deveras interessante. Já em 1976, não muito depois do ocorrido, foi produzido um filme com a mesma temática, mas por outra perspectiva: o premiado “Todos os Homens do Presidente” também teve por objeto esse escândalo, que abalou o país e ficou conhecido no mundo todo. Todavia, a película de 1976 focava em Woodward e Bernstein, jornalistas do The Washington Post que mantinham contato com Deep Throat.

O filme de 1976 não é o único, mas continua sendo o melhor. Sempre chama a atenção uma produção em que o país faz sua autocrítica. Quando, no prólogo, são mostradas imagens reais (são poucas, mas aparecem) de pessoas protestando pela Guerra do Vietnã, é o contraponto da ideia da solução bélica que hoje vem sendo exumada. Ou seja, mesmo que o filme retrate um evento histórico, o que ele faz pensar continua válido hodiernamente.

Outro exemplo, ainda mais fascinante, é o subplot da parcialidade de Felt. Gray sugere que, por Felt e sua esposa serem filiados ao Partido Democrata, ele faria uma perseguição a Nixon, isto é, sua preferência política o tornaria profissionalmente cego e comprometido a tal ponto que ele buscaria incessantemente por provas de que o presidente republicano praticou crimes, mesmo que as investigações concluíssem pela sua probidade. Esse argumento de que a preferência política influencia na atuação profissional não soa familiar?

Existe uma desvantagem de lidar com uma história real, que o roteirista e diretor Peter Landesman (“Um Homem Entre Gigantes”) não conseguiu driblar: o conhecimento prévio da sequência dos acontecimentos – excetuando-se, por óbvio, a parcela do público que não tem esse conhecimento. O fio condutor narrativo (o que houve antes, durante e depois das eleições) é de saber público, cabendo ao roteirista inovar no texto. A parte mais investigativa, referente aos bastidores do FBI, se faz presente, porém, não consegue ser envolvente, pois acaba sendo um xadrez político.

Quando o plot tenta verticalizar na vida pessoal do protagonista, a solução acaba sendo ainda pior: o arco dramático da sua esposa (uma desperdiçada Diane Lane, de “Paris Pode Esperar”) é reduzido à solidão e ao álcool, enquanto o da sua filha é extremamente mal explicado, pavorosamente desenvolvido e ridiculamente solucionado, não conseguindo comover.

O mesmo não se aplica ao próprio Felt, já que sua personalidade é muito bem delineada: cometeu seus erros, mas que era coerente com os próprios princípios – o principal deles era honrar o FBI, pois sabia que a instituição era de suma importância para o país. Sua devoção ao Bureau era desproporcional ao que ele recebia em troca, ele sabia disso, mas não se importava, pois o importante era que o FBI tivesse – nas suas palavras – “paz para trabalhar”. Merece menção o ótimo trabalho de Neeson, um ator subestimado no drama.

Como no roteiro, a direção de Peter Landesman é ordinária. Embora a trilha sonora seja coerente com a atmosfera tensa, da mesma forma que a fotografia acinzentada corrobore a ideia de um ambiente sujo e corrupto, há um exagero na obscuridade, tornando a estética até mesmo cansativa. A mise en scène é razoável, como na cena em que Felt e Woodward se encontram pela primeira vez (aproximando-se e depois se abaixando atrás do carro), contudo, a composição é poluída com tons petróleo e o visual é mal elaborado.

Enquanto produção cinematográfica, o longa é deficiente em diversos aspectos. Entretanto, a proposta acaba atingindo um dos objetivos da arte, que é fazer pensar. Em momentos de uma política conturbada e que corrupção é uma palavra usada com tanta frequência, rever esse episódio histórico motiva a reflexão.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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