Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de outubro de 2017

Churchill (2017): docudrama insatisfatório aceitável

O roteiro, dentro da sua proposta, se revela aquém do que deveria ser. A direção é, no mínimo, modesta. Entretanto, a atuação de Brian Cox é exemplar.

Os dias precedentes ao famoso seis de junho de 1944, do ponto de vista de uma das maiores personagens da Guerra: é esse o argumento de “Churchill”. Ao unir aspectos históricos com uma perspectiva subjetiva, o formato mais adequado foi o de docudrama, cujo êxito, enquanto subgênero, é insatisfatório, mas cujo resultado, enquanto produção, é aceitável.

O filme retrata os bastidores da Operação Overlord, colocada em prática nos dias anteriores ao “Dia D” (desembarque das tropas aliadas na Normandia), mas vistos através dos olhos do Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, interpretado por Brian Cox (“A Autópsia”).

É esse justamente o principal atrativo da película. O ator encarna o papel de maneira intrépida, sabendo que Churchill tinha personalidade forte e enfrentava quem fosse necessário para cumprir seus deveres. Cox brilha ao contracenar com John Slattery (“Spotlight – Segredos Revelados”): aquele é um raivoso Primeiro-Ministro – filmado em um leve contraplongée para lhe dar autoridade – defendendo a vida de seus soldados e, do seu ponto de vista, a vitória na Guerra, enquanto este, como General Eisenhower, é um militar racional que tem apenas um discurso desagradável a proferir em face do protagonista. Brilha também em sua conversa com o Rei, embalado por uma música suave ao fundo, em um momento que, graças à sua atuação, se torna comovente. Interpretar uma personagem não é apenas expressão facial (o que não lhe falta) ou caracterização visual (também presente, tanto no robusto corpo quanto no indispensável charuto), envolvendo muitas vezes um complexo trabalho de voz. Nesse caso específico, a entonação empregada no discurso ao final, com pausas dramáticas, aliando-se, é claro, à linguagem corporal (cabeça baixa, olhos para cima e óculos abaixo da linha dos olhos) e à potência do texto, criou um momento sublime.

Entretanto, o mérito é quase inteiro do ator, que teve a sorte de encontrar um papel que lhe possibilitou um trabalho tão rico – evidentemente, tratando-se de uma pessoa real, ele pode encontrar mais fontes para nortear sua atuação. Isso porque a narrativa, como já começa em junho de 1944, é bastante enxuta, tendo um curtíssimo lapso temporal (é uma escolha do roteiro) a ser desenvolvido. Exceto pela personalidade do protagonista, ela acaba tendo poucas camadas, revelando-se deveras singela. Mesmo no perfil de Churchill o script é precipitado, precisando revelar muitas de suas facetas em um breve período. Bravo, ele não teme a batalha, mas apresenta resquícios de traumas pretéritos que não ficam esclarecidos. Humanista, defende os soldados, todavia, é muito impaciente com sua secretária, soando arrogante com quem lhe é subordinado. Tudo isso se enquadra no viés documentarista do longa – que, como se pode perceber, é bem lacônico.

Há uma ênfase no dever de Churchill perante a Coroa, algo que vai além do puro patriotismo, é uma lealdade que justifica a sua fama (em especial post mortem) e que o filme fez questão de deixar explícito. Como consequência, seu casamento fica em risco, elevando, na segunda parte da película, seu viés dramático, que é muito insosso. Com efeito, há um exagero de sentimentalismo nesses momentos, de modo que a produção visivelmente perde fôlego. A personalidade pouco consistente de Clemmie Churchill e a atuação fraca de Miranda Richardson (“iBoy”) colaboram para uma piora. Não obstante, em que pese um dos cartazes indicar tratar-se o filme de um romance, definitivamente não é esse o caso: casamento em risco não implica necessariamente em filme romântico.

Jonathan Teplitzky (“Uma Longa Viagem”) cria um prólogo suntuoso: uma praia aparentemente comum, cujas imagens vão se tornando mais impressionantes e sérias, acompanhadas pela música trágica (o epílogo é paralelo: semântica e visualmente oposto, em um cenário quase idêntico). A direção, assim, se torna promissora, contudo, inclusive pela limitação orçamentária, há pouco de alto nível no que se segue – usar slow motion em momentos corretos, por exemplo, é fazer o mínimo. Nesse sentido, a direção de arte é modesta e Teplitzky não soube ser inventivo – salvo pela filmagem de um diálogo do casal Churchill, através de um espelho, simbolizando a aproximação dos dois em um enquadramento inteligente, ainda que não inédito.

O argumento é interessante, infelizmente o roteiro não soube desenvolver bem as nuances de uma personagem tão fascinante. Salvo por um diálogo entre Churchill e Smuts, em que há um subtexto sobre o significado da liderança, não existem subtextos ou camadas a mais que ensejem reflexões mais profundas. Porém, o roteiro não é de todo ruim, não apresentando falhas ou incoerências. Ainda mais importante: Brian Cox tem momentos tão exemplares – em especial para quem admira e se interessa por atuação – que esse docudrama insatisfatório se torna aceitável.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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