Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de junho de 2017

Tudo e Todas as Coisas (2017): um filme para românticos incuráveis

Bastante romântico, eventualmente criativo e exageradamente leve, o longa é um romance juvenil sem abalos dramáticos e sem tensão.

Embora não tenha sido precursor no subgênero, “A Culpa é das Estrelas” representou um marco nos romances adolescentes (ou juvenis), tamanho seu sucesso. Alguns sucessores tentaram trilhar um caminho semelhante, como “Se Eu Ficar” e “Como Eu Era Antes de Você”. Seria “Tudo e Todas as Coisas” restrito ao mesmo público-alvo?

O filme conta a história de Maddie (Amandla Stenberg, de “Jogos Vorazes”), jovem de dezoito anos que, em razão de uma doença rara relacionada à imunidade, nunca saiu de casa. As únicas pessoas que convivem com a garota são sua mãe, Pauline (Anika Noni Rose, de “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”), que também é sua médica, e sua enfermeira Carla (Ana de la Reguera, de “Jessabelle – O Passado Nunca Morre”). Maddie está acostumada com a rotina de internet e livros, já um pouco tediosa, até que tudo muda com a nova família vizinha, em especial o vizinho Olly (Nick Robinson, de “Jurassic World”), que demonstra interesse nela sem imaginar as barreiras que pode encontrar para conhecê-la.

Como o trailer entrega quase tudo que a película oferece, o ideal é evitá-lo. A grande desvantagem de “Tudo e Todas as Coisas”, que também é a razão pela qual ele começa um passo atrás em relação aos filmes plenamente originais, é o fato de seu argumento não ser muito inovador. Trata-se de um romance teen que encontra empecilho para se concretizar em razão da doença de um deles – a dúvida que fica é se ficarão juntos ao final. Porém, nesse caso, existe um algo a mais reservado no terceiro ato, que felizmente o trailer não revela. Ainda assim, do ponto de vista do argumento, nada substancialmente diverso do que já foi visto antes, como nos títulos já mencionados.

Maddie e Olly funcionam bem como casal porque se complementam, ele é a catapulta para que ela se liberte da clausura em que se encontra e se rebele um pouco. O problema é o script conceder a ela um protagonismo exacerbado, deixando para ele um espaço tão reduzido que prejudica sua função na narrativa. Ela tem a personalidade bastante desenvolvida, com conflitos bem contornados, tornando-se uma personagem multifacetada. Por outro lado, Olly é apenas o galã apaixonado e perfeito, não havendo preocupação alguma por parte do texto em lhe dar camadas. Isso é um equívoco considerável, tendo em vista que existe a sugestão de um arco dramático pessoal para ele, de enorme potencial, mas que é bastante atenuado e que fica sem pormenores. Na verdade, é essa a proposta: um romance sem abalo dramático, sem muita tensão.

Pode parecer apenas uma opção da produção, qual seja, tornar o filme leve e divertido, um feel good movie em embalagem de romance. Não é bem assim: existem repercussões técnicas nessa opção. Amandla Stenberg neste papel se mostrou uma atriz limitadíssima, cuja inexpressividade aponta que o protagonismo é um vestuário que não lhe serviu. Nick Robinson é mais experiente, mas seu potencial talento artístico não pode ser visto no longa, já que a participação que teve limitou-se a sorrir e expor seu charme como galã teen, o que não é tarefa artisticamente árdua.

Para deixar claro que a vida de Maddie tem Olly como marco divisor, o filme usa o figurino como elemento primordial. Antes dele, a garota só se veste de branco; depois, sempre de cores claras, mas em tons pastéis e azulados – que também prevalecem na direção de arte, em especial na primeira metade. É a metáfora de que sua vida ganhou cores com ele – bem romântico, não? Diametralmente oposto, Olly só se veste de preto. A ideia não seria ruim, não fosse o fato de isso ser expressamente falado mais de uma vez, subestimando a inteligência do espectador.

A direção é da estreante Stella Meghie. Seu maior acerto reside na seguinte ideia: os primeiros diálogos entre Maddie e Olly ocorrem pelo celular, porém, ao invés de colocá-los na tela por escrito como outros filmes fizeram, o casal já fica cara-a-cara e – o que é melhor – dentro das maquetes que Maddie monta, como se os dois entrassem na realidade dela. Isto é, há uma simulação de diálogo, pois, embora a conversa seja virtual, o que se vê é uma conversa real; e, embora o cenário pareça real, é a maquete que ela está montando. A opção é bastante criativa e uma metáfora inusitada.

Outra ideia interessante é a inserção de um astronauta na realidade criada pela imaginação da protagonista, metáfora manifestamente polissêmica – dentre as várias interpretações possíveis, uma delas é a de que ela se sente uma alienígena, algo a ser estudado e que está fora de lugar, tanto é assim que ele é lançado quando não é mais necessário.

No que é fundamental, a grande preocupação do longa, a direção acerta: as cenas românticas são bem conduzidas e arrancam sorrisos da parcela romântica do público. Aliás, há o risco de serem consideradas “melosas” pela outra parcela. Exemplo é uma cena em que o casal é separado por uma parede de vidro, embalado por uma música e sons diegéticos (o ruído de um gafanhoto), até suas mãos se tocarem, divididas pelo vidro. Não obstante, Meghie parece ter uma obsessão por rack focus, o que causa estranheza para uma diretora estreante.

Sendo o vetor temático do longa o paradoxo viver versus sobreviver, surpreende tamanha leveza no seu conteúdo – tornando-se, inclusive, raso no desfecho. Em razão da doença, Maddie fica enclausurada em sua casa vivendo seus dias para sobreviver, mas é apenas quando se apaixona por Olly que descobre que nunca aproveitou realmente a sua vida. Ou seja, para além do viés amoroso, existe também uma mensagem de busca por uma vida plena e feliz. De todo modo, um pouco mais de drama não faria mal e daria nuances mais complexas à película, tornando-a mais vertical. No fim, “Tudo e Todas as Coisas” satisfaz os românticos incuráveis, mas não o espectador que quer algo mais.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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