Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 08 de março de 2017

Kong: A Ilha da Caveira (2017): ação satisfatória e uma narrativa modesta

Na ação, o filme é bem satisfatório e ocasionalmente empolgante. Ainda é possível extrair um subtexto inteligente. Entretanto, não são poucas as falhas técnicas.

Não é segredo que a Warner planeja colocar Godzilla e King Kong em um ringue. O plano não é recente e começou a ser delineado com o “Godzilla” de 2014. Assim, “Kong: A Ilha da Caveira” é a continuação de uma ideia maior. Uma ideia que pode dar certo e que provavelmente vai agradar o público sedento por batalhas entre criaturas como essas. Será o sonho de muitos, com certeza.

O longa acompanha uma expedição, composta por um grupo heterogêneo (militares e cientistas, dentre outros), dedicada a explorar a quase desconhecida Ilha da Caveira. Aparentemente, o objetivo é um mapeamento geológico, mas a missão tem surpresas jamais imaginadas pelo grupo – salvo por seu idealizador, Bill Randa (vivido pelo sempre bom John Goodman, de “Rua Cloverfield, 10“).

O grupo tem personagens cujos perfis são variados, arquetípicos apenas na superfície. Estão lá James Conrad, o heroico galã (Tom Hiddleston, “Os Vingadores“); a bela e indefesa fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson, “O Quarto de Jack“); o Tenente Marlow (John C. Reilly, “Quase Irmãos“), louco que serve como alívio cômico; e o militar que só fala a linguagem da guerra, Coronel Packard (Samuel L. Jackson, “Tarzan”). Os arquétipos são mera aparência: Conrad não serve como conquistador; Weaver não é indefesa; e Marlow tem importantíssima função narrativa. Hiddleston larga o ar de nobreza para interpretar o bravo e inteligente – é justamente a inteligência que o destaca – herói (e não um amontoado de músculos à Stallone), sem abandonar o charme britânico nas insistentes poses. Larson tem participação menor (até pelo elenco numeroso), mas valorosa pela notória coragem. Reilly é ótimo no papel desempenhado, convencendo na compreensível loucura da personagem – a culpa de as piadas, no geral, serem insossas, não é dele. Elogiar a atuação de Samuel L. Jackson é ratificar uma obviedade. Porém, o Coronel Packard é mesmo o militar que só fala a linguagem da guerra.

Esse fator, por outro lado, rende um antagonista (não propriamente vilão) que movimenta bastante a trama e, principalmente, permite alguns questionamentos – tais como: qual o propósito de um exército? O que é uma guerra? Quando uma guerra deve ser encerrada? O que faz do homem um animal diferente dos demais? A racionalidade humana é suficiente para a distinção? Packard constitui o militar obcecado pela guerra, a ponto de buscá-la onde não seria necessário – a frustração pelo fim da Guerra do Vietnã e o sorriso decorrente da nova missão não são à toa. Totalmente diferente do próprio Kong, que se satisfaz com respeito e paz na Ilha (mas que responde à altura caso isso não ocorra). Diferente também de Conrad, mais cauteloso e sensato, evitando enfrentar as criaturas.

O filme é eficaz na exposição do Zeitgeist já no prólogo, mas também nas interações com Marlow (afinal, ele ficou na Ilha por muitos anos). A narrativa, contudo, se torna cada vez mais previsível, ofuscando a inteligência do subtexto – extraída com algum esforço interpretativo. A previsibilidade do plot poderia ser compensada pelas cenas de ação, mas não é bem esse o caso. Sim, as cenas de luta de Kong são ocasionalmente empolgantes e normalmente bem feitas, sem excesso de cortes nem ampliação desmedida da violência. Entretanto, são vários os defeitos técnicos do longa.

O 3D é fajuto: pouca profundidade de campo e uma única cena de 3D ativo. Por sua vez, o exagero do diretor Jordan Vogt-Roberts (“Os Reis do Verão“) em aplicar reiterado slow motion aliado à (boa) trilha sonora torna a fita cansativa em tais momentos, numa hipérbole estilística evidentemente inspirada em Zack Snyder. Para compensar a criticável homenagem ao diretor de “Batman vs. Superman – A Origem da Justiça”, felizmente “Nascido para Matar” e “Apocalypse Now” também são referências, como saudosas – porém distantes – menções. O acerto da direção reside na escolha do cast, com representatividade elogiável: Houston Brooks (Corey Hawkins, da série “24 Horas: O Legado“) é um geólogo negro, importante na película, e respeitado por ser intelectual, mas que sofre um revés justo quando se machuca ao abrir uma lata, rotulando a tarefa como “trabalho de homem” (mas que uma mulher, vivida por Jing Tian – de “A Grande Muralha“, oriental, também pouco presente em Hollywood –, resolve). Contudo, não se pode negar que a repetição de técnicas é enfadonha – além do já mencionado slow motion, por exemplo, contraluz incessante para enfatizar o tamanho e a imponência de Kong.

Os animais são feitos com um design de produção decepcionante e muito aquém do trabalho na versão de Peter Jackson, menos inventiva e mais aceitável. Exceção a Kong, com visual mais selvagem que o de 2005, e à própria Ilha, acertadamente retratada como inóspita, com bastante névoa e uma fotografia amarelada, evocando o tropicalismo do local. Os nativos são um furo do roteiro, pois seu desenvolvimento não é sólido.

Considerando que o roteiro não é completamente descartável, até mesmo por sair da esfera do clássico de 1933, ainda que empobrecido pela narrativa modesta, e tendo em vista a eficácia das cenas de ação, a Warner provavelmente conseguirá concretizar o sonho do embate entre King Kong e Godzilla. Desejar um texto melhor seria sonhar?

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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