Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 08 de março de 2017

Fome de Poder (2016): Afinal, quem fundou o McDonald’s?

Até que ponto vai a ganância de um empreendedor? Quem são os verdadeiros criadores da cadeia de fast food McDonald's? Algumas dessas perguntas são respondidas em "Fome de Poder", mesmo que a execução não tenha sido, nem de longe, realmente boa.

Ray Kroc (Michael Keaton, de “Birdman“) é um vendedor que tenta de tudo para colocar seus produtos na praça, desde camas dobráveis a multiprocessadores de milk shakes. Em uma de suas tentativas, começa a negociar com dois irmãos, Mac (John Carroll Lynch, “Jackie“) e Dick (Nick Offerman, da série “Fargo“), os verdadeiros criadores do McDonald’s e de toda a logística da empresa que dura até hoje. Encantado com o achado, Kroc passa a entrar cada vez mais no negócio a ponto de torná-lo mais dele do que dos próprios criadores.

A tradução literal do título americano, “O Fundador“, vende o filme de um jeito e o título brasileiro, “Fome de Poder“, vende o filme de outra. Ambas estão corretíssimas e apresentam o que a trama tem de melhor: a história real desse embrolio que é a criação do McDonald’s. Não convém aqui explicar, mas ver como os irmãos literalmente perderam sua criação para um empreendedor esfomeado por dinheiro (ou poder) é uma premissa excelente para um bom filme, recheada de possibilidades e, mais, que toca muito no dia-a-dia tanto do consumidor quanto do empresário.

Pena que o roteiro não respeita essa forte premissa, escolhendo os pontos mais bobos para demorar, enquanto passa rápido pelos pontos mais interessantes. Ora, por mais que o propósito tenha sido falar sobre Ray Kroc, há ali um case empresarial gigante ao redor da história do protagonista e, mesmo tendo escolhido um foco ainda peca quando resolve supracitar momentos importantes de sua virada de caráter. Ele passa do carismático empreendedor voraz por fazer negócios a uma espécie de larápia de luxo. A transição encaixa-se mal na história e a alternância pessoal de Kroc, como a mudança de esposa por exemplo, fica de lado.

Michael Keaton, mais uma vez vivendo o homem dúbio, apresenta um ótimo trabalho. Em “Birdman”, onde é o protagonista, o ator já havia mostrado um personagem semelhante, igualmente confuso de se interpretar. Entretanto, lá a direção requisitou mais de Keaton, apresentando vários planos-sequência, cenas difíceis e intensas, diferente de “Fome do Poder” cuja simples direção parece desestimular o avanço do próprio ator para com seu personagem no decorrer da narrativa. Keaton tenta, mas as tomadas básicas e pouco inspiradas não o ajuda a subir seu personagem um degrau acima do que fora feito no primeiro ato (seu auge).

O roteiro volta a falhar quando coloca personagens e pouco os aproveita. B.J. Novak (de “The Office“) vive Harry Sonneborn, figura importante na história da virada do McDonald’s para as mãos do protagonista, mas o ator sai tão rápido quanto entra. Cai de paraquedas e sai sem nem deixar a cor do terno. Dick, muito bem vivido por Nick Offerman, fica fora de foco, mesmo tendo demonstrado ser um dos personagens mais intrigantes. Em uma das sequências do filme, de longe a melhor, Dick monta o modelo da cozinha do McDonald’s usando uma escada, uma quadra de tênis, “atores” e muito giz, pena que é um flashback e logo o personagem volta a apenas atender telefonemas do seu sócio e retorna à tona a lenta história da ganância de Kroc que, se tem pelo menos um ponto alto, é quando está no cinema assistindo “Sindicato de Ladrões“. Nesse momento vai bem e deixa-nos pensar um pouco. Quem é Ray Kroc nesse filme, o empresário que compra o pugilista para perder algumas lutas ou o pugilista em si?

A direção já citada de John Lee Hancock não vai mal, mas longe de ser realmente boa, diferente ou que chame atenção. Montagem e fotografia vão no mesmo ritmo, seguem a cartilha e parecem ter entregue o máximo que o texto de Robert D. Siegel propiciara. Incrivelmente, Siegel escreveu o primoroso “O Lutador“, dirigido com competência acima da média por Darren Aronofsky, o que me fez pensar duas coisas: 1) Seria o diretor de “Fome de Poder” dependente de um ótimo roteiro (como em “O Sonho Possível“) para conseguir aparecer? 2) Quanto a direção de Aronofsky salvou o texto inicial de Siegel?

Mesmo sendo efetivo em alguns pontos, incomoda muito o desequilíbrio de “Fome de Poder“. Pode até ser curioso para quem está quem está tocando uma empresa, deixando perguntas valiosas, mas representa muito pouco diante da excelente premissa que o título carrega. Até Keaton parece ir desistindo do papel aos poucos; o terceiro ato é o momento mais fraco de sua, antes deveras inspirada, atuação. Não espero que esse seja o filme definitivo sobre o assunto, que tem muito a render caso queiram revisitá-lo um dia.

Raphael PH Santos
@phsantos

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