Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Assassin’s Creed (2016): um tombo sem feno para aparar

Havia em "Assassin's Creed" o potencial para ser o "Homem de Ferro" das adaptações de jogos para o cinema. Mas, assim como os melhores gráficos do mundo não podem salvar um game de péssima jogabilidade, nem o melhor dos visuais resgata um filme de ação entediante.

Durante a Comic-Con Experience, o stand que promovia esta versão para cinema de “Assassin’s Creed” tinha uma plataforma de seis metros de altura, de onde o visitante poderia simular o Salto de Fé, um dos movimentos mais famosos da franquia de game na qual o filme é baseado. Essa atração da CCXP era infinitamente mais divertida que o longa dirigido por Justin Kurzel, cineasta trazido pelo astro e produtor Michael Fassbender para repetir com Marion Cotillard a parceria que deu certo no elogiado “Macbeth – Ambição e Guerra”.

O longa acompanha Callum Lynch (Michael Fassbender), um condenado à pena de morte que é “convidado” a participar de um experimento em uma máquina chamada Animus, que o fará reviver as memórias de um de seus antepassados, Aguilar (também Fassbender). Sem saber, Lynch se vê no meio de uma guerra secular entre as facções dos quase anárquicos Assassinos – da qual Aguilar fazia parte – e dos controladores Templários, donos da fundação da qual Lynch é “hóspede”. No centro do conflito está um artefato conhecido como a Maçã do Éden, que permitirá os Templários erradicarem o livre-arbítrio da humanidade.

Infelizmente, o roteiro escrito a seis mãos – nunca um bom sinal – por Michael Lesslie (também de “Macbeth – Ambição e Guerra”) e pela dupla Adam Cooper e Bill Collage (“A Série Divergente – Convergente”), ao tentar dotar de alguma complexidade o conflito entre as filosofias extremadas de Assassinos e Templários, acaba sendo apenas superficial, jamais se aprofundando nas reais intenções dos grupos rivais ou mesmo nas interações entre seus membros.

O texto também se mostra desestruturado, com a narrativa não ganhando força ou dramaticidade com o passar do tempo. As grandes cenas de ação são espalhadas ao longo da projeção quase que aleatoriamente, com a primeira já aparecendo quase que no segundo ato. O resultado é um filme desprovido de ritmo, confuso em sua tentativa de demostrar ambiguidade moral e que se torna justamente a única coisa que um blockbuster não pode ser: chato.

Michael Fassbender se esforça o máximo possível para diferenciar Callum e Aguliar e dotá-los de alguma personalidade, especialmente do ponto de vista físico, mas jamais conhecemos direito os personagens ou mesmo suas motivações ou valores. As participações de Aguilar, aliás, praticamente se resumem às grandes cenas, ficando impossível simpatizar com o herói ou mesmo entender suas ações no decorrer da narrativa, mesmo com a presença de um elemento romântico descartável. O mesmo acontece com o seu Lynch, que se vê desprovido de um arco narrativo que justifique as mudanças pelas quais ele passa durante a projeção.

Os demais Assassinos e Templários, incluindo-se aí intérpretes veteranos como Brendan Gleeson (“Coração Valente”) e Charlotte Rampling (“45 Anos”), fazem mera figuração, algo decepcionante haja vista a importância que o personagem de Gleeson deveria ter para o arco de Callum. Já Jeremy Irons (“Batman Vs Superman”) se vê completamente perdido em cena, emprestando uma postura pseudo-imponente para um vilão que se revela desimportante no esquema maior.

A única personagem que tem um crescimento durante o filme é a criadora do Animus, Sofia, vivida por Marion Cotillard. Suas ações e motivações de fato convergem para uma mudança natural de sua postura para com a causa templária. Até mesmo seu nome, que significa “sabedoria”, possui uma razão de ser dentro do seu papel na trama. De longe, a figura mais bem explorada pelo roteiro, o que não quer dizer muita coisa.

O mais paradoxal nesta bagunça toda é que os envolvidos estavam visivelmente tentando respeitar a mitologia estabelecida nos jogos (ao contrário dos filmes da série “Resident Evil”, por exemplo). Não só isso, mas também se trata de uma produção feita com claro esmero visual e que leva o material a sério.

Algumas cenas parecem transplantadas diretamente da mente dos artistas conceituais para a telona. As sequências que se passam no século XV são especialmente extraordinárias em seu visual. Cada fibra de tecido dos figurinos e toda engrenagem das armas dos personagens parecem ter uma história própria. Mesmo com a falta de lógica em manter armamento funcional em caixas de vidro quando se está basicamente “hospedando” o inimigo, a direção de arte se mostra plasticamente impecável.

E são esses acertos que tornam “Assassin’s Creed” ainda mais decepcionante como cinema. O talento do elenco principal é inquestionável, assim como o look maravilhoso do filme, o qual não recomendo que seja visto em 3D por conta da escuridão de algumas das cenas. Faltou, literal e figurativamente, o “salto de fé” por parte dos realizadores em dar alguma voz aos personagens.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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