Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de outubro de 2016

O Shaolin do Sertão (2016): um obra apaixonada, porém irregular

Após "Cine Holliúdy", Halder Gomes volta a apostar no humor típico cearense e consegue um relativo acerto, muito por conta do carisma e talento de seu ator principal.

Halder Gomes é um apaixonado pela sétima arte. Se “Cine Holliúdy” já mostrava isso, este “O Shaolin do Sertão” é a prova definitiva. Após o sucesso comercial de seu longa anterior, Halder conseguiu um orçamento mais polpudo para esta sua nova parceria com Edmilson Filho na telona, algo que se reflete na telona, sendo esta uma produção bem mais caprichada, especialmente na fotografia e na direção de arte.

[CRÍTICA] Cine Holliúdy (2012): Halder Gomes presta homenagem aos cinemas do Ceará

Também não se perdeu o carinho nostálgico do cineasta para com o interior do Ceará. Escrita por L.G. Bayão, a trama se passa em Quixadá nos anos 1980, começo do declínio dos programas de vale tudo e época em que os filmes de Kung Fu chineses realmente estavam em alta no Brasil, sobretudo pela emergência do home-video.

Neste cenário, conhecemos Aloísio (Edmilson Filho), um padeiro que sonha em ser um lutador de artes marciais e em conquistar a bela Anésia Shirley (Bruna Hamu), filha de seu patrão (Dedé Santana). O problema é que a moça está prometida para o arrogante Armandinho (Marcos Veras) e Aloísio é tido como motivo de piada na cidade por seu amor às artes marciais shaolins. Quando um conhecido lutador anuncia que desafiará alguém na cidade, Aloísio logo se prontifica para a luta, indo treinar com um estranho mestre “chinês” (Falcão).

Se em “Cine Holliúdy” a fonte mais óbvia de inspiração de Halder Gomes e sua trupe era “Cinema Paradiso”, aqui, além da homenagem clara aos filmes de kung-fu setentistas (incluindo uma fotografia que, em momentos, remete a outra obra recente que bebe desta fonte, o cultuado “Kung Fury“), aqui também temos uma bela menção a “Rocky – Um Lutador”, especialmente no arco do próprio protagonista – rapaz desacreditado se prepara com um mestre de em uma luta impossível contra um oponente quase invencível enquanto busca seu verdadeiro amor.

O grande forte do filme está realmente no carisma do seu elenco e na química de Edimilson Filho com quase todos em cena, algo que consegue superar até mesmo a falta de traquejo de alguns atores com a câmera. Não só Edimilson consegue dar graça ao texto, mas seu talento para o humor físico é fora de série, fazendo dele quase uma versão tupiniquim de Jackie Chan.

Marcos Veras encarna de maneira natural não só o papel de rival romântico de Aloísio, mas de cearense. Isso porque a identidade regional do filme é deveras importante para a trama e para as gags, sendo o sotaque parte integral delas, sem contar que daria para fazer um dicionário de gírias alencarinas só com o roteiro do longa. Neste sentido, Dedé Santana, por mais experiente que seja, acaba destoando do resto do elenco justamente por não conseguir interpretar em “cearês” de maneira mais natural.

Infelizmente, por mais apaixonado que seja (ou justamente por conta disso), Halder Gomes também comete alguns erros aqui. Aparentando estar enamorado demais por cada frase filmado, o diretor e seu montador Helgi Thor acabam por não saber quando cortar. Inúmeras cenas acabam por perdurar mais do que deveriam, com as piadas perdendo o timing e se arrastando por muito além do que deveriam ou algumas cenas que passam do ponto de corte ao ponto de ficarem repetitivas. Sem contar que até mesmo as transições de cena se tornam repetitivas pela insistência no uso constante de fades.

Mesmo prejudicado pela montagem ruim, “O Shaolin do Sertão” se destaca por conta de seu elenco carismático que encarna com convicção a galeria exótica de personagens do longa, dirigido, se não com perfeição, mas certamente com paixão por Halder Gomes.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe