Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Caçada Mortal (2014): um noir moderno, mesmo que por linhas tortas

Funcionando enquanto investe como exercício de estilo, o filme acaba por dar um tiro no próprio pé ao querer tornar-se em mais um "Busca Implacável" no seu ato final.

Fora de paródias, é muito raro vermos um filme moderno ser tão óbvio em suas intenções de homenagear um gênero como este “Caçada Mortal”. Não só o longa escrito e dirigido por Scott Frank é descarado em suas citações noirs através de situações típicas desse tipo de obra, como também tem um personagem fã dessas fitas que as cita ocasionalmente.

Baseado na série de livros de Lawrence Block (a qual não li, mas que também inspirou o filme “Morrer Mil Vezes”), o longa é focado no detetive particular Matthew Scudder (Liam Neeson), um ex-policial e alcoólatra em recuperação que é contatado para encontrar os assassinos da esposa de um “negociante” de drogas (Dan Stevens). Aos poucos, Scudder descobre que os sádicos homicidas tem um escopo de ação bem maior em movimento.

A despeito de contar com Liam Neeson no elenco, um ator que parece estar se especializando no gênero “Homem maduro que arrebenta pessoas“, se passa quase uma hora de projeção sem que o filme apresente grandes cenas de ação, com Scott Frank preferindo investir mais no desenvolvimento de Scudder e no mistério em si que em mostrar Neeson arrebentando a cara de um capanga anônimo qualquer – mesmo com a campanha publicitária da fita apontando para o contrário.

As referências a filmes clássicos de detetives não ficam restritas às falas do jovem parceiro de Scudder, TJ (Brian “Astro” Bradley), mas também surgem na própria backstory do protagonista e nos ângulos dos planos escolhidos por Frank (que já havia feito homenagens ao gênero no eficiente “O Vigia”). Nisso, a escolha do Liam Neeson para o personagem principal foi deveras acertada, pois o ator consegue impor imponência e gravidade a qualquer papel, mesmo quando trabalha no piloto automático.

Ademais, Neeson estabelece uma boa química com Brian Bradley, criando uma dinâmica interessante entre Matthew e TJ, com este último, mesmo com um arco completamente dispensável para o filme, iluminando um pouco o solitário protagonista ao dar-lhe alguém um pouco mais “leve” com quem conversar, algo importantíssimo para tornar Scudder mais próximo da audiência.

Muito se falou sobre a escalação de Dan Stevens, mais conhecido por seu papel cavalheristico em “Downton Abbey”, pois seria uma ruptura para o ator. No entanto, por mais que haja uma diferença abissal entre o seu Kenny e o personagem que o tornou famoso, sua participação aqui é tão curta que não há tempo de haver essa quebra. Dito isso, Stevens se sai bem no papel de cliente de Matthew.

Um dos calcanhares de Aquiles da produção são os vilões vividos por David Harbour e Adam David Thompson, que se mostram unidimensionais e sem qualquer motivação. Sim, a ideia era mostrar dois psicopatas que “não são humanos”, mas a falta de qualquer profundidade na dupla ou mesmo alguma backstory para os dois acaba tornando-os rasos demais e pouco ameaçadores, por mais monstruosos que seus atos sejam.

E é após a introdução dos vilões que o filme começa a perder o seu rumo, desabando em um clímax duplo, cuja única função é tirar o longa do modo detetive e voltar Liam Neeson ao já citado modo “Homem maduro que arrebenta pessoas”, traindo o estilo noir que o filme vinha seguindo. Ademais, a falta de uma personagem feminina forte aleija a produção de uma femme fatale, necessária para completar a homenagem a um gênero tão referenciado ao longo da projeção.

Enfim, “Caçada Mortal” parece mais um exercício de estilo do que um longa propriamente dito e mesmo assim funciona, até que tenta entrar no filão cavado por seu astro.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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