Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de dezembro de 2014

De Volta ao Jogo (2014): o filme é uma carta de amor ao gênero ação

Ao mixar o meme do "Sad Keanu" com os clichês e chavões tradicionais do cinema de ação, os diretores iniciantes e dublês profissionais Chad Stahelski e David Leitch entregam uma eficiente produção que também é uma apaixonada carta de amor ao gênero.

Sem muitas firulas. É a melhor descrição que pode ser dada a este “De Volta ao Jogo”. Nada de tramas complicadas ou mistérios a serem investigados por um protagonista com problemas de overacting (sim, estou falando de você, Nicolas Cage). O que se tem aqui são cenas de ação divertidíssimas, amarradas por atores carismáticos e por uma trama que, mesmo não sendo exatamente digna do Bardo, é sólida o bastante para sustentar a pancadaria.

Dirigido por competência pela dupla Chad Stahelski e David Leitch, a fita mostra as desventuras de John Wick (Keanu Reeves), ex-matador cuja mulher o fez largar o mundo do crime. Quando esta falece, vítima de câncer, deixa para o marido uma cachorrinha, para que ele tivesse alguém para amar (além de seu carro vintage).

Quando um arrogante rapaz chamado Iusef (Alfie Allen) rouba o carro de John e mata sua companhia canina, acaba despertando o “bicho papão”. A partir daí, o longa se transforma em um festival de tiros e golpes, extremamente bem coreografados e capturados de maneira dinâmica pelos cineastas, com o pai de Iusef, o mafioso Viggo (Michael Nyqvist) fornecendo um suprimento quase infinito de capangas para John dar cabo, além da inevitável femme fatale, a letal Srta. Perkins (Adrianne Palicki). E de que lado está o “amigo” de John, o experiente Marcus (Willem Dafoe), que apareceu no enterro da esposa do anti-herói, mas aceita o contrato para matá-lo?

Enfim, é óbvio que o roteiro do quase estreante Derek Kolstad é uma colcha de retalhos de clichês. Mas os diretores e o elenco conseguem fazer esse trem andar. A fotografia em tons azulados ressaltam a melancolia contínua de John, e o próprio estilo econômico de atuação de Keanu Reeves trabalha a favor da criação de um protagonista estóico e sem nada a perder, o típico protagonista de um noir, estilo com o qual o filme flerta de maneira descarada.

Atuando com seriedade até mesmo nas cenas mais ridículas – como na que abre um cofre a marretadas -, Reeves se mostra compenetrado naquela narrativa, ancorando assim nossa atenção na tela As interações dele com a cachorrinha Daisy se mostram doces e essenciais para o desenrolar da história. Mas é mostrando uma forma física invejável aos seus 50 anos que o eterno Neo surpreende, chutando todos os tipos de traseiros nos combates corpo-a-corpo do longa com uma desenvoltura e competência de deixar atores com a metade de sua idade roxos de inveja.

Os vilões são caricaturalmente maus, especialmente Alfie Allen, que aparentemente está se esforçando para ser o jovem ator mais odiado da cultura pop (vide a série “Game of Thrones”), a Perkins de Palicki é a mercenária mais sedutora dos filmes de ação desde a ireesistível Xenia Onatopp em “007 Contra GoldenEye”. Michael Nyqvist, que já tinha encarnado um antagonista bem estereotipado em “Missão: Impossível – Protocolo Fantasma”, vive aqui um mafioso/empresário bem típico, cuja loucura no último ato funciona pelo contraste com a postura mais “profissional” de seu Viggo nas duas primeiras partes da projeção. Já Willem Dafoe empresta sua persona que causa uma sensação de desconforto ao público a um personagem cuja aliança não sabemos onde jaz. Dafoe se mostra no piloto automático, mas é sempre uma presença interessante.

Para pincelar um universo maior dentro do filme, com matadores obedecendo regras próprias e tendo uma terminologia e costumes singulares (vide o interessante cenário do Continental), Stahelski e Leitch lançaram mão de atores como Ian McShane, John Leguizamo e Lance Reddick, interpretes com fisionomias e vozes marcantes, justamente para dar alguma credibilidade ao pano de fundo do filme.

Apaixonados pelo cinema de ação clássico, até mesmo por trabalharem como dublês e coreógrafos de lutas, os cineastas entregam aqui uma verdadeira carta de amor ao gênero, que certamente agradará aos aficcionados.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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