Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de agosto de 2014

As Tartarugas Ninja (2014): um reboot genérico e sem alma

Visualmente interessante, mas desprovido de carisma e charme, este novo longa dos personagens criados por Peter Laird e Kevin Eastman será mais lembrado pela propaganda de uma rede de pizzarias que por seus méritos.

imageA franquia “As Tartarugas Ninjas” é bastante longeva e já teve várias encarnações, desde suas origens nas quais os heróis eram uma paródia dos quadrinhos violentos que marcaram a década de oitenta, passando pela série animada clássica, que tinha um clima que beirava o psicodelismo e, é claro, os três filmes live-action que marcaram uma geração (apesar do fiasco do terceiro). Após a projeção deste reboot da série, uma pergunta ficou: se este fosse o início da franquia, será que ela teria o mesmo sucesso?

A resposta, infelizmente, é negativa. Produzido por Michael Bay (“Transformers”) e dirigido por Jonathan Liebesman (“Fúria de Titãs 2”), o longa é um trabalho repleto de impactos visuais e completamente desprovido de charme. O roteiro de Josh Appelbaum, André Nemec e Evan Daugherty privilegia demais os personagens “humanos” e conta com rocambolescas ligações entre a verdadeira protagonista da história, a April O’Neil de Megan Fox, e os demais personagens.

Na trama, April é uma repórter presa em matérias “divertidas”, ávida por uma investigação que faça o seu nome. Com a cidade de Nova York mergulhada no caos por conta da organização do Clã do Pé, a jovem acaba descobrindo um grupo de vigilantes que vem combatendo esses criminosos.

Eles são as Tartarugas Ninja, quelônios mutantes adolescentes treinados nas artes ninja pelo Mestre Splinter, um sábio rato igualmente mutante. Mal sabem as tartarugas que nelas jaz a chave do plano de dominação global do Clã do Pé e de seus líderes, o temível Destruidor (Tohoru Masamune) e o empresário corrupto Eric Sacks (William Fichtner).

Deixando de lado o pequeno fato de o roteiro ser repleto de furos e se contradizer a cada 10 minutos, a trama tenta desesperadamente acomodar plots demais em pouco tempo, e todos com pouquíssima substância. Nisso, quase não sobra tempo para que conheçamos aqueles que deveriam ser os astros do filme, com suas personalidades sendo enfiadas garganta abaixo do público, sem tempo de se criar qualquer empatia pela equipe de heróis.

Assim como na franquia “Transformers”, todo o foco aqui está em um personagem humano, no caso, April. Megan Fox, por mais linda que esteja na tela, não mostra segurança, carisma ou mesmo timing cômico para segurar sozinha o rojão. Suas interações com as tartarugas, especialmente com Raphael (Alan Ritchson, o único do quarteto a ter algum desenvolvimento) são forçadas e frágeis.

Verdadeiros pilares da franquia como Destruidor e Karai (Minae Noji) e, especialmente, o Mestre Splinter, são apenas figurantes de luxo criminosamente descaracterizados. A rivalidade entre os senseis vai pelo ralo, com os dois sendo subaproveitados em favor de personagens como Eric Sacks.

O energético e competente Fichtner faz o que pode com o vilão, mas não consegue fugir do lugar comum com ele e seu plano de dominação global. Outro que se esforça bastante é o comediante Will Arnett, mas o material que ele tem em mãos realmente não ajuda muito. Whoopi Goldberg tem uma ponta como a chefe de April, mas trata-se de uma participação tão rápida e sem consequência que não deixa marca nenhuma.

O visual das Tartarugas faz um trabalho melhor do que o roteiro ao mostrar suas diferentes personalidades. A animação digital delas e do mestre Splinter flui bem e se mistura quase que com perfeição aos ambientes e atores reais. A exceção é a excessivamente ornamentada e poluída armadura do Destruidor, que não impõe respeito algum e mais parece o casamento entre um canivete suíço e uma geladeira.

O brasileiro Lula Carvalho faz um ótimo trabalho na fotografia da produção, mas é uma pena que a cidade de Nova York, quase um personagem em si nas histórias das Tartarugas, seja pouco aproveitada aqui, surgindo com mais destaque apenas no começo e no fim, com Liebesman e Bay lançando mão principalmente de ambientes fechados e um barranco criado digitalmente, palco da principal cena de ação da produção.

As cenas de ação tentam empolgar mais pela escala, mas não vemos muita ação ninja, até porque o Clã do Pé usa apenas armas de fogo, esquecendo suas origens. Os combates com o Destruidor são até interessantes, mas como o vilão, Splinter e as Tartarugas são pouco desenvolvidos, não há envolvimento emocional nessas cenas.

Se hoje em dia há a tecnologia para trazer esses estranhos personagens à vida com perfeição, chega a ser triste que o esmero visual para este fim seja muito maior que o esforço feito para tentar dotar esses conhecidos personagens de carisma e simpatia.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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