Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 17 de março de 2013

A Busca (2011): do bom drama familiar ao road movie errático

Wagner Moura destaca-se em longa de estreia do diretor Luciano Moura, que realiza um trabalho intenso, mas cheio de falhas de roteiro em seus dois últimos atos.

A BuscaÉ pouca a variedade de atores nos grandes filmes nacionais, pelo menos nos de orçamento privilegiado. E boa parte dos melhores papéis masculinos estão ganhando a interpretação de Wagner Moura. Reconhecido nacionalmente, ele também adiciona talento em sua composição exímia dos personagens, indo de um policial do BOPE em “Tropa de Elite” a um estelionatário em “Vips”, passando por um cientista solitário em “Homem do Futuro”. Neste “A Busca”, ele é mais uma vez o principal destaque ao protagonizar uma história intensa, que funciona como drama familiar, mas que vacila como road movie.

Moura, desta vez, é o intérprete de Théo, um homem que ama sua família, mas parece deixar seu autoritarismo se sobrepor ao seu carinho. Tanto que está em pleno processo de separação com a esposa, Branca (Mariana Lima). A relação com seu filho Pedro (Brás Antunes) também não anda das melhores. Um bate-boca entre os três é o estopim para o menino, às vésperas de completar quinze anos, mentir que está indo viajar por uns dias e fugir de casa, desaparecer por completo. Tem início, então, a busca dos pais pelo garoto, especialmente de Théo, que percorre estradas e mais estradas por qualquer pista do menino. E no caminho, ele depara-se com as mais variadas situações e pessoas, surpreendendo e sendo surpreendido.

E são essas supresas as grandes falhas do roteiro que Luciano Mora divide com Elena Soarez. A cada dezena de minutos, o personagem principal parece obrigado a esbarrar com alguém e repartir experiências, algumas chegando ao ponto do bizarro, dando origem a um road movie decepcionante. Os primeiros personagens coadjuvantes que surgem até que não interferem na harmonia da história, servindo apenas para dar pistas do paradeiro de Pedro, entrando e saindo de cena com elogiável discrição. Mas à medida que eles buscam significar mais do que devem e podem, o filme se perde. Parece querer passar mensagens que nunca são claras, soando muito mais como infortúnios que parecem boicotar gratuitamente a procura de Théo.

Logo, se não nos inquietamos por completo com a tentativa dele em atravessar um mangue com seu carro, sendo necessário uma longa negociação e um bate-papo infrutífero com o dono da barca, torna-se incômodo saber que ele dedicará o mesmo tempo de tela para boa parte dos outros desconhecidos com quem se chocará. No entanto, o que mais irrita é a inverossimilhança das situações e pessoas que surgem, destoando do tom sóbrio que a história havia adotado em seu primeiro ato. Logo não se surpreenda se perseguições, roubos de celulares e partos estiverem dentre as infelizes experiências pelas quais Théo terá de passar.

O que compensa toda essa série de encontros e desencontros inconvincentes é o fato de termos um drama familiar e um desenvolvimento de personagem envolventes durante toda a trama. Se a turbulenta relação entre pai, mãe e filho ganha destaque durante os primeiros minutos de projeção (exibida sem as afetações que acometem a história posteriormente), é o chefe dessa família quem se torna o centro do script a partir do ato seguinte.  Definindo-o sem qualquer estereótipo, e ao mesmo tempo universalizando-o ao descrevê-lo como um homem inseguro e autoritário como qualquer outro, o roteiro o leva da extrema instabilidade à redenção em um processo de amadurecimento gradual e sem precipitações, abordando com méritos o tema da paternidade.

Sua “caçada” sempre soa lógica, e não como um ato de desespero momentâneo. É apenas um pai querendo ter de volta seu bem mais precioso. E nesse ínterim, ele acaba conhecendo a si mesmo, por mais que alguns percalços pareçam querer desviar sua atenção e a do espectador. A câmera sempre próxima ao rosto do personagem ajuda no processo de interiorização de Théo, assim como as cenas solitárias do personagem, especialmente a que mergulha em um riacho para aliviar sua tensão. Em sua estreia na direção de longas, Luciano Moura, enfim, valoriza seus atores, em uma mise-en-scène cheia de improvisação, mantém o ritmo sempre em alta e ainda encontra espaço para fazer poesia.

O trabalho de Moura, logo, não seria o mesmo se não fosse a dedicação de seu elenco. Se Mariana Lima, Brás Antunes e Lima Duarte, em participação especial, contribuem para o convencimento de uma história cheia de inverossimilhanças, Wagner Moura é a maior razão para se assistir a “A Busca”. Em uma interpretação crua, de emoção pulsante, o ator salva, por diversas vezes, o filme dos erros de seu roteiro, retirando-o da artificilidade e devolvendo-o a naturalidade que é o seu verdadeiro tom. Fazendo de Théo um homem cheio de ressentimentos e traumas que é obrigado a encará-los de frente, ele demonstra porque é um dos atores mais requisitados do cinema nacional. Que sua carreira internacional, que está se iniciando, valorize-o tanto quanto merece!

Darlano Didimo
@rapadura

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